DO PROTESTO EXTRAJUDICIAL DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

Juliano Marini Siqueira
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados   

Desde 2012, com a inserção do parágrafo único no artigo 1º da Lei nº 9.402/1997 (Lei dos Protestos), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios passaram a ter autorização legal para encaminhar os créditos tributários formalizados através das Certidões de Dívida Ativa a protesto, denotando uma forma indireta de coagir os contribuintes a pagarem seus tributos, prática não permitida pelo direito brasileiro.

A adoção desse mecanismo é justificada como meio eficaz e menos oneroso para obterem o pagamento das dívidas, e pela dificuldade em acionar o Poder Judiciário quando se trata de um crédito de pequena monta, devido aos custos da efetivação da cobrança judiciária, que por muitas vezes podem ultrapassar o próprio valor do crédito.

O doutrinador e professor Ives Gandra da Silva Martins, ao tratar da teoria da imposição tributária, afirma que o tributo é uma norma de rejeição social, porque todos os contribuintes, de todos os espaços geográficos, pagam mais do que deveriam pagar para sustentar o governo naquilo que retorna à comunidade em nível de serviços públicos, e para sustentar os desperdícios, as mordomias, o empreguismo dos detentores do poder (O Sistema Tributário Brasileiro, p. 11, 2009, Saraiva).

No entanto, independente de todos os bônus logrados pelos Estados em protestar a CDA, não se pode esquecer que a maneira adequada para a cobrança da obrigação tributária devidamente inscrita e formalizada é a Execução Fiscal.

E, justamente por esse e outros motivos é que o tema em questão destoa grande discussão na doutrina, bem como, na jurisprudência.

Isso porque, conforme dito acima, a Certidão de Dívida Ativa possui a Lei nº 6.830/80 como veículo próprio e especial para amparar sua cobrança, de modo que buscar meios diversos para forçar seu pagamento vai à contramão com o que determina o Direito Brasileiro, uma vez ser, incontestavelmente vedado todo e qualquer meio que, indiretamente, se revele coercitivo para obter o pagamento de tributos.

No entanto, para sustar/cancelar o protesto da Certidão de Dívida Ativa o contribuinte tem três possibilidades, quais sejam, pagar o débito, parcelar ou buscar por meio de advogados especializados, determinação judicial para efetivar o cancelamento ou sustação.

Para amparar o pedido judicial, as principais alegações utilizadas para defender a inconstitucionalidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa são: i) o protesto utilizado dessa forma se enquadra como Sanção Política prática vedada pelo Supremo Tribunal Federal, ii)  desvio de finalidade do protesto, iii) a inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei nº 12.767/2012[1] e, iv) a incompetência do tabelionato protestar a CDA.

O que se tem visto na prática é que em primeira instância os Juízes ainda tem se mostrado reticentes quanto à impossibilidade de protestar as Certidões de Dívida Ativa, seguindo o entendimento de que o protesto é permitido em razão de expressa autorização legal.

Todavia, o entendimento tem sido alterado em segunda instância, conforme seguem firmes os Julgadores da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que se posicionam no sentido de impossibilidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa.

A posição consolidada na referida câmara abraça a tese da falta de interesse da Fazenda, porquanto a CDA goza de presunção de liquidez e certeza, e sua execução ocorre independentemente do protesto. Segundo os julgados, opera-se a interpretação sistemática do art. 1º da Lei nº 9.492/97 [2]e dos artigos 128 e 204 do Código Tributário Nacional [3]que aponta para a conclusão de que o protesto quer apenas resguardar o direito de crédito em face do devedor, constituindo a crise de adimplemento e, por conseguinte, a mora do devedor.

Não se pode esquecer que a Fazenda possui aptidão para conferir exequibilidade através da inscrição em dívida ativa, o que esvazia o interesse em protestar o título. Se o que o credor está buscando é a publicidade do débito, a inscrição em dívida ativa o faz em conformidade com a Lei de Execuções Fiscais.

Neste sentido, vejamos um dos julgados.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. ATO JUDICIAL IMPUGNADO. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO.Objeto. Suspensão de protesto de CDA. Ressalvado entendimento pessoal do Relator, prevalência do entendimento predominante na Câmara, que aponta para a ausência de interesse para a Fazenda promover o protesto do título executivo. A busca pela satisfação do crédito deve operar-se do meio menos gravoso para o devedor. Comprovação dos requisitos legais para a concessão da liminar. Protestos sustados. Decisão reformada. (TJSP, Processo nº 2049196-80.2015.8.26.0000, Relator José Maria Junior, 27/01/2016)

Há conformidade no posicionamento adotado com outras Câmaras de Direito Público.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação medida cautelar de sustação de protesto com pedido liminar – Em 29/04/2015 o Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, julgou a arguição de inconstitucionalidade nº 0007169-19.2015.8.26.0000, entendeu ser constitucional a citada lei e a possibilidade do protesto da CDA – Em que pese o entendimento do Colendo Órgão Especial, não cabe o protesto em tela, por fundamento diverso, qual seja, o previsto no artigo 620, do CPC – Princípios da menor onerosidade ao devedor e da razoabilidade para o credor – A Fazenda Pública, já possui a prerrogativa de promover a execução fiscal pertinente com constrição judicial de bens do devedor Inteligência da Lei nº 6.830/80 e do Código Tributário Nacional O protesto da CDA inviabiliza a obtenção de crédito no sistema financeiro causando danos graves aos devedores fiscais – Precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e do E. Superior Tribunal de Justiça Decisão que deferiu medida liminar para o fim de suspender o protesto, mantida – Recurso da FESP, improvido” (Relator(a): Marcelo L Theodósio; Comarca: Votuporanga; Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 07/07/2015; Data de registro: 08/07/2015) (grifo nosso).

Vale ressaltar, ainda, que admitir como legal o protesto da Certidão de Dívida Ativa é o mesmo que colocar de lado o cerne do Direito, que é a dignidade da pessoa humana, ante o constrangimento e impedimento que tal medida ocasiona aos contribuintes (pessoas jurídicas ficam impedidas de dar sequência em suas atividades empresariais e pessoas físicas não podem concluir seus objetivos da vida privada).

Porém, infelizmente, por mais que haja inúmeras decisões favoráveis quanto a inviabilidade do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa, na prática, essa medida se torna cada dia mais usual para efetivar, coercitivamente, o pagamento dos tributos, restando ao contribuinte a alternativa de buscar o Poder Judiciário para lograr êxito no cancelamento dos protestos.


[1] Lei nº 12.767/2012
Art. 25. A Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Artigo 1º (…) Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”

[2] Lei nº 9.492/97
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.

[3] Código Tributário Nacional
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

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