Cláusula de quitação geral em acordo extrajudicial: impactos do entendimento da justiça do trabalho

Cláusula de quitação geral

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) passou a permitir a utilização da jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho, possibilitando a homologação de acordos extrajudiciais entre as partes, visando a quitação de verbas relacionadas ao fim do contrato entre o trabalhador e a empresa.

A jurisdição voluntária consiste na possibilidade de solucionar demandas, sem que haja um litígio, ou seja, as partes estão em comum acordo acerca da resolução que será por eles pactuada. Nesses casos, o juiz não assume o papel de solucionador de um conflito, mas atua para validar a vontade das partes, verificando se os procedimentos legais adotados estão corretos e que os atos realizados são regulares, conferindo legitimidade para o acordo realizado.

Embora o Código de Processo Civil preveja a utilização da jurisdição voluntária em diversas demandas, a Justiça do Trabalho limita sua possibilidade apenas para a realização de acordo extrajudicial nos termos previstos na CLT, assim, as partes devem apresentar uma petição conjunta para o juiz trabalhista informando especificamente quais verbas estão sendo pagas no acordo, o qual será, ao final, homologado pelo juiz.

Embora muito simples em sua concepção, a homologação dos acordos extrajudiciais passou a ser mais restrita do que prevê a legislação. Por se tratar de um procedimento iniciado pelas partes, semelhante a um contrato entre elas, o juiz atuaria somente para a validação do cumprimento dos requisitos legais específicos da CLT, bem como dos requisitos gerais apresentados pelo Código Civil (partes capazes, objeto lícito, forma prescrita), que tratam da validade de negócios jurídicos de forma ampla, sem intervenção quanto as condições inseridas na transação.

Tradicionalmente, ao formalizar um acordo em uma ação trabalhista, era comum incluir uma cláusula de quitação geral. Essa cláusula, padrão em qualquer minuta, também é utilizada para os acordos realizados em audiência. Isso porque, a quitação geral e irrestrita tem como objetivo terminar a relação entre as partes, impedindo que seja proposta uma nova ação para discutir eventuais direitos dela provenientes ou do contrato de trabalho encerrado.

Dessa forma, a mesma prática passou a ser adotada nos casos de acordos extrajudiciais, como efeito lógico do cumprimento integral do acordo apresentado para homologação judicial.

Porém, observa-se que muitos juízes trabalhistas adotam uma postura cautelosa em relação à cláusula de quitação, recusando a homologação dos acordos com essa condição, muitas vezes sob o fundamento de que sua adoção constituiria um ato abusivo por parte da empresa, que estaria se aproveitando da fragilidade dos trabalhadores para forçá-los a renunciar a direitos que fizessem jus, mesmo assistidos por advogados próprios e concordando integralmente com a negociação estabelecida e apresentada ao Judiciário.

Assim, a homologação dos acordos extrajudiciais passou a ser condicionada à retirada da cláusula de quitação geral, ou até mesmo realizada de forma parcial, sem o reconhecimento da cláusula expressa no documento, estendendo a sua validade apenas para as verbas incontroversas expressamente discriminadas na minuta, pautando-se no princípio do livre convencimento do juízo e no entendimento sumulado de que a homologação de acordos é uma faculdade do juízo, não constituindo direito líquido e certo das partes.

Seguindo esse posicionamento, a decisão da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho confirmou o entendimento dos juízes de primeira instância. Eles decidiram que é possível a homologação parcial do acordo extrajudicial, conferindo a quitação somente às parcelas discriminadas na minuta, sobre as quais não há controvérsia, excluindo as que forem consideradas ilegais, abusivas ou fraudulentas.

Para os Ministros, a função do juiz vai além de apenas ratificar a vontade das partes, a qual está expressa na minuta de acordo, devendo agir como moderador, resguardando os direitos do trabalhador, por se tratar da parte hipossuficiente na relação e evitando vícios, atos simulados, fraudes ou excesso de lesividade a uma das partes.

Ocorre que a legislação trabalhista, antes da possibilidade da jurisdição voluntária, era extremamente engessada em relação às negociações entre empresa e trabalhador, muitas vezes forçando o trabalhador a entrar na justiça por questões que seriam facilmente resolvidas extrajudicialmente, onerando a si próprio, a empresa e o próprio judiciário, constituindo uma verdadeira burocracia para que o trabalhador recebesse seus direitos, resguardando a segurança jurídica da empresa que, ao realizar o pagamento daquela transação, não arriscaria ser acionada novamente pelo mesmo motivo.

Segundo o boletim “Justiça em Números 2022” do CNJ, o tempo até que seja proferida a sentença na justiça do trabalho leva em média 1 ano e 2 meses, quase 27 vezes mais do que o procedimento do acordo extrajudicial, o qual prevê a análise e sentença do acordo em 15 dias (se desnecessária a realização de audiência).

Dessa forma, a postura do judiciário cria uma insegurança jurídica para as empresas e empregados que, não sabem se o acordo extrajudicial será integralmente homologado, parcialmente homologado ou completamente rejeitado, forçando-os a utilizar do ajuizamento de uma ação para de fato encerrar a relação de trabalho de forma definitiva, sendo ambos prejudicados pela morosidade do judiciário, para que ao final seja possibilitado às partes firmar um acordo em audiência, utilizando a famigerada cláusula de quitação geral da relação havida entre as partes e/ou ao extinto contrato de trabalho, atingindo o mesmo resultado que seria obtido com o acordo extrajudicial.

O intuito do legislador foi justamente trazer autonomia e agilidade para ambos, trabalhador e empresa, o que foi totalmente descaracterizado pelo posicionamento dos juízes, desembargadores e, agora, ministros do TST, uma vez que, ainda que ausente qualquer elemento que denote má-fé nas cláusulas acordadas, dentre elas a da quitação geral, a justiça do trabalho impede que as partes exerçam sua própria vontade, tornando completamente inviável a utilização de dispositivo que deveria facilitar o acesso à justiça.

Em caso de dúvidas sobre o tema, nossa equipe trabalhista está à disposição para esclarecer.

Foto Matheus Freschi Advogado

Matheus Freschi

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