PRÁTICAS DE INFORMAÇÃO JUSTA E O DIREITO À PRIVACIDADE – EXTRAPOLANDO OS LIMITES COMERCIAIS DOS MODELOS REGULATÓRIOS VIGENTES

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Jayme Petra de Mello Neto
Advogado no Marcos Martins Advogados

A sociedade atual acostumou-se com o rótulo “Era da Informação”, designando um complexo sistema de relações sociais, em todos os seus segmentos, cuja prevalência do conhecimento sobre o labor é a seu traço mais característico. O conhecimento, o acumulo de informações, dados e análises que, como consequência, trazem mais dados, mais elementos cognoscíveis e mais conhecimento, em sentido amplo, passou a ser um bem socialmente relevante, o que implica, necessariamente, numa atribuição de economicidade e juridicidade a tal bem.

É fato que se o bem mais precioso é a Informação, naturalmente, a sociedade, portando-se num determinismo econômico, tende a cada vez mais criar ferramentas de coleta e produção de tais bens, e que, por si só, tornaram-se bens em si mesmo.

As redes de informação, o ciberespaço, as redes sociais e os mecanismos interação virtual tornaram-se coisas palpáveis, com valor econômico e tutela jurídica específica. Por seu turno, acabaram por determinar o surgimento de alguns direitos ou por questionar a eficácia, enforcement, de direitos individuais e garantias da pessoa humana em face do avanço tecnológico e suas implicações sensíveis.

Não sem razão, devido ao alto grau de exposição que estas ferramentas tecnológicas, ambientes que se travestem de características de relevante espaço social onde “vivem” boa parte dos homens ao cabo de um dia normal, o grande questionamento de novos direitos ou de eficácia de proteção, é pautado pela questão da Privacidade.

Não cabe neste texto a discussão maior acerca do conceito de Direito de Privacidade. Para efeitos argumentativos, Direito à Privacidade será tomado como um amplo conjunto de direitos e garantias que visam a preservação do âmbito pessoal do indivíduo, englobando o direito à exposição, esquecimento, identidade, sigilo e proteção de dados, imagem, honra e boa-fama.

Sempre que qualquer mecanismo tecnológico inova no espaço social e cria uma chance maior de exposição do indivíduo, retirando ou enfraquecendo os tradicionais mecanismos de proteção e resguardo sua esfera íntima, é necessário revisitar meios e remédios jurídicos disponíveis com intuito de reequilibrar esta aparente antinomia: Informação versus Privacidade.

No alvorecer das grandes tecnologias de exposição, principalmente quando do aparecimento da imprensa de massa, uma discussão jurídica se acendeu acerca dos eventuais danos reflexos e o Direito à Informação, como um bem social, de índole coletiva. Tamanha foi a repercussão da introdução da nova tecnologia, que os estudos jurídicos resultantes, seguramente, criaram novos mecanismos e paradigmas regulatórios que influenciaram os tradicionais remédios jurídicos de recomposição dos danos, afeitos à disciplina da Responsabilidade Civil. Em estudo exemplar, servindo como marco de inauguração de discussão, Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis[1], este último tendo inclusive acessado a Suprema Corte Norte Americana e dado início a uma das mais prestigiosas Faculdade de Direito Norte-Americana, asseveram a constante necessidade de revisão dos mecanismos jurídicos para eficazmente proteger os direitos individuais atrelados à personalidade, mormente o Direito à Privacidade:

Que o indivíduo deva ter proteção integral à sua pessoa e seu patrimônio é um princípio tão antigo quanto o próprio Direito Comum; Mas, torna-se necessário de tempos em tempos definir novamente a exata natureza e extensão de tal proteção. Mudanças políticas, sociais e econômicas ocasionam o reconhecimento de novos direitos, e o Direito Comum, na sua eterna juventude, alarga-se para atender as demandas da sociedade.[2]

Enfrentavam o desafio para a proteção jurídica que as novas formas tecnológicas traziam, expondo a esfera individual e privada dos indivíduos, aviltando uma dimensão espiritual, intangível, do ser humano. Bastante relevante o diagnóstico que fizeram:

Inovações recentes e práticas comerciais chamam a atenção para os próximos passos que devem ser dados para proteger a pessoa e assegurar ao indivíduo o que o Juiz Cooley denomina “direito de ser deixado só”. Fotografia Instantânea e empresas jornalísticas invadiram o recinto sagrado da vida privada e doméstica; e inúmeros aparelhos mecânicos ameaçam tornar realidade a profecia de que “o que for sussurrado na intimidade será alardeado dos balcões”.[3]

Os anos passaram e a questão parece ter retornado à atenção, demandando do direito uma resposta à invasão projetada na Privacidade pelas novas tecnologias: rede social e ciberespaço. São de conhecimento geral os inúmeros episódios de exposição da intimidade sexual, da intimidade familiar, padrão de vida, riqueza, sofrimento e doenças que os indivíduos experimentam. Além do mais, ficou patente que as ferramentas próprias da “Era da Informação” potencializam os efeitos nocivos dessas invasões, posto que a grande velocidade e capacidade de disseminação da Privacidade exposta é a característica mais relevante destas novas ferramentas tecnológicas.

O Brasil adotou recentemente uma Lei que corporifica alguns anseios dos usuários dos meios digitais. O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, também traduz a potencial antinomia entre a Informação e a Privacidade. Em seu artigo 3º, cujo escopo é disciplinar o uso da Internet, enunciam-se os dois direitos:

Art. 3o  A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II – proteção da privacidade;

Em que pese a proteção da privacidade ser relevante para a referida Lei, o que se percebe, contudo, é que a maior parte dos demais dispositivos, senão todos eles, proclamam o máximo grau de liberdade, promovendo a ampla difusão e uso da rede mundial. Assim, parece haver uma tendência de proteção ao Direito de Informação em detrimento ao Direito de Privacidade.

Inobstante, há um movimento contrário nas diversas inciativas legislativas e regulatórias mundiais que vão em sentido contrário ao grosso do Marco Civil da Internet, resguardando com mais ênfase o Direito à Privacidade. A exemplo, surge, em sede empresarial, e como um consectário da Sustentabilidade, um núcleo de documentos regulatórios, alguns até com força de Lei, referidos como Fair Information Practices. As Boas Práticas de Informação revelam um conjunto de ações que precisam ser tomadas pelo detentor ou manipulador da informação previamente à sua divulgação ou exposição na Web.

O documento líder destas boas práticas é o FTC Fair Information Practices Principles, um modelo regulatório aplicado pela Comissão Federal Norte-Americana do Comércio, que elenca alguns deveres que devem ser atendidos pelo detentor ou manipulador da informação antes de sua exposição. Somente com o atendimento de todos os princípios, é que se pode dar por compliant tal informação. São eles: (i) identificação do coletor da informação; (ii) identificação prévia do uso que será feito da informação; (iii) identificação de todos os potenciais destinatários; (iv) natureza da informação coletada e os métodos de coleta; (v) a voluntariedade ou casualidade na obtenção da informação; e, por fim e mais relevante, (vi) as precauções tomadas pelo coletor das informações para assegurar o sigilo, a integridade e a qualidade das informações.

Este princípio final é de importância vital em razão do uso corriqueiro da Internet, especialmente em relação a publicação de notícias. Quando um determinado veículo de imprensa publica um artigo jornalístico, que potencialmente traz uma informação que abala a imagem ou a Privacidade, em sentido amplo, sendo nas mídias tradicionais, a tendência era a de que a exposição ocorresse contemporaneamente à própria notícia, e, com um tempo, o arquivo praticamente seria “esquecido”, a menos que uma pessoa tivesse interesse específico no tema. Quando, entretanto, tal informação é divulgada por meio da Internet, a contemporaneidade da notícia perde para a perenização que este meio proporciona. E, mais gravemente, faz com que a informação tenha aderência à pessoa em qualquer momento e em qualquer circunstância, mesmo que o interessado não esteja pesquisando aquele assunto.

Neste modelo, a informação perde as características necessárias do modelo de Boas Práticas, que impõe seja ela íntegra e qualitativamente correta. Ou seja, a desatualização da informação perenizada a torna ilegítima, transmudando-a de um útil informativo a interesse público a uma não sanada lesão à Privacidade. Um exemplo pode esclarecer o raciocínio: Imagine que seja publicado num Jornal da Internet que determinada pessoa está sendo investigada pela prática de um ilícito qualquer. Esta publicação, em sua contemporaneidade com a própria investigação, costuma ser perfeitamente lícita, baseada na liberdade de imprensa. Ocorre que, passados alguns anos, e porque o grande público perdeu o interesse, nenhuma outra notícia é publicada sobre o assunto. Portanto, o registro eletrônico ou a relação eletrônica à imagem daquela pessoa será sempre a de que existe ou existiu uma possível transgressão que ele teria praticado. Pode-se estar pesquisando, por exemplo, qual a música ou a cor favorita daquela pessoa, mas a referência ao nome, fatalmente, exporá a página eletrônica que guarda a notícia do fato desabonador. Assim, com o tempo, a Informação perdeu a integridade e a qualidade, violando as Boas Práticas e devendo, necessariamente, ser “esquecida” dos meios web.

Esta invasão à Privacidade é particularmente relevante para empresas no atual cenário em que o Mercado tende a se descolar cada vez mais do espaço físico e se assentar no ciberespaço. Uma notícia cuja integridade se perdeu pode causar um dano considerável, especialmente à boa-fama comercial da empresa, necessitando, neste caso, recorrer ao Poder Judiciário para sanar esta violação à Privacidade.

O Marcos Martins Advogados tem atuado para coibir lesões e reestabelecer direitos de seus clientes, num ambiente de máximo desafio ante às inovações tecnológicas, que colocam casos ainda não enfrentados por nossa Lei ou Jurisprudência, destacando nosso compromisso com a atualização e qualidade de serviços prestados.


[1] WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, p. 193-220, dec. 1890. Cambridge: Harvard Law Review Association, 1890.
[2] Op. Cit. Página 193. Tradução livre.
[3] Op. Cit. Página 195. Tradução Livre.

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