IMPLICAÇÕES DA CRIAÇÃO DE NOVA CLASSE DE CREDORES NA APLICAÇÃO DO CRAM DOWN

Priscilla Folgosi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

A Lei nº 11.101/2005, Lei das Recuperações Judiciais e Falências (LRF) estabeleceu no ordenamento jurídico brasileiro o regime de recuperação de empresas, o qual permite aos empresários negociarem com seus credores um plano que possibilite sua efetiva recuperação.

Para tanto, devem ser observados vários requisitos legais, dentre eles a ausência de oposição dos credores ao plano apresentado pelo devedor, ou, havendo qualquer objeção, sua aprovação mediante assembleia geral de credores, considerando-se o quórum previsto no art. 45 da LRF.

Contudo, ainda que tal quórum eventualmente não seja alcançado, a LRF autoriza o juiz a intervir no resultado da votação e impor a aprovação do plano aos credores que o rejeitaram, hipótese à qual se emprestou o nome de cram dowm, dada sua origem advir do direito norte-americano.

Tal hipótese está disciplinada no parágrafo 1º, do artigo 58 da LRF, assim, o juiz poderá conceder a recuperação judicial ainda que o plano não tenha obtido aprovação do quórum legal, desde que, na mesma assembleia, tenha sido obtido, de forma cumulativa: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de duas das classes de credores nos termos do artigo 45 ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos um delas; e (II) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores, computados na forma dos parágrafos 1º e 2º do artigo 45.

Todas as disposições sobre o quórum para aplicação cram down estão estruturadas a partir da redação antiga do artigo 45 que previa a existência de apenas três classes de credores. Todavia, a Lei Complementar 147, de 07 de agosto de 2014 (LCP 147) promoveu significativas alterações na LRF,  dentre elas a criação de uma nova classe de credores, a dos titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, denominada de Classe IV, cujo computo dos votos se dará pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito (art. 45, §2º).

Assim, originalmente, quando tínhamos apenas três classes de credores, a aprovação em duas das classes era um dos requisitos cumulativos para o cram down, entretanto, a partir da vigência da LCP 147, há a possibilidade da coexistirem quatro classes de credores. Apesar disso, a LCP 147 não alterou a redação do artigo 58, parágrafo 1º, tornando a legislação omissa quanto à hipótese de haver rejeição em duas das possíveis quatro classes e, em sendo esse o saldo da assembleia, se seria o caso de decretação da falência ou se haveria a possibilidade de concessão da recuperação com base no cram down.

Embora, tal inovação tenha sido positiva na medida em que aspira salvaguardar os interesses das microempresas e empresas de pequeno porte, bem como fortalecer seu poder de negociação, a omissão do legislador ao não prever os seus reflexos na aplicação do cram down, trouxe grave dificuldade interpretativa e insegurança jurídica.

Para tentar elucidar a questão e proporcionar maior uniformidade das decisões, a II Jornada de Direito Comercial, realizada em 27 de fevereiro de 2015 pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), aprovou o Enunciado nº 79, segundo o qual o requisito do inc. III do §1º do art. 58 da Lei n. 11.101 aplica-se a todas as classes nas quais o plano de recuperação judicial não obteve aprovação nos termos do art. 45 desta Lei.

Ainda assim, o Enunciado não esclarece se seria possível a concessão da recuperação judicial ainda que haja rejeição do plano de recuperação judicial por duas classes de credores, como é possível se extrair da dicção legal, havendo distintas correntes em formação.

Diante da omissão apontada e do exponencial crescimento dos pedidos de recuperação judicial[1] neste período de grave crise política e econômica enfrentada pelo Brasil, considerando ainda o potencial comprometimento dos seus resultados, cabe ao legislador elucidá-la com a maior brevidade possível dada a importância de se permitir a efetiva aplicação do instituto e de se coibir o abuso do direito de voto de credores cujos interesses pessoais conflitem com a o objetivo principal da LRF que é o da preservação da atividade empresarial.

O escritório Marcos Martins Advogados Associados está preparado para a condução de processos de recuperação judicial, cuja complexidade exige profissionais comprometidos com as estratégias empresariais de seus clientes e sempre em busca de soluções jurídicas inovadoras.

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