Aline Pardi Ribeiro
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados.
A criação de uma sociedade pressupõe a intenção de conjugação de esforços para constituição de uma pessoa jurídica que passará a assumir responsabilidades, obrigações, deveres e direitos na vida civil, em substituição daqueles que antes atuavam individualmente. A decisão de constituição de uma pessoa jurídica com o tipo societário definido pela sociedade limitada, cuja principal característica é a limitação da responsabilidade dos sócios perante as obrigações contraídas pela sociedade que constituíram, normalmente é pautada pela segurança e proteção do patrimônio pessoal de seus sócios.
Entretanto, o Código Civil define, em seu artigo 1.052, que nas sociedades limitadas, a responsabilidade de seus sócios é restrita ao valor de suas quotas, no entanto, todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social[1]. O principal dever dos sócios é o dever de integralizar o capital subscrito e, caso assim não o façam, serão todos solidariamente responsáveis pelo capital não integralizado, estando vulneráveis às execuções que porventura forem demandadas contra a sociedade da qual fazem parte.
De qualquer forma, caso o capital social da sociedade esteja totalmente integralizado, os sócios não são responsáveis perante terceiros pelas obrigações contraídas pela sociedade. Nas palavras de Itamar Gaino:
Uma vez integralizado o capital, os sócios não são responsáveis pelas dívidas da sociedade perante terceiros. Em face da referida distinção entre a pessoa jurídica da sociedade e as pessoas físicas dos sócios, os terceiros, nesse caso, apenas poderão exigir seus créditos, negociais ou de outra natureza, perante a sociedade, executando exclusivamente os bens que integrem o seu patrimônio, não lhes sendo dado avançar sobre o acervo patrimonial particular dos sócios, salvo situações excepcionais que adiante serão tratadas[2].
Algumas das exceções à regra de irresponsabilidade dos sócios nas sociedades com o capital integralizado são as disposições da legislação tributária. O responsável tributário, segundo o Código Tributário Nacional (“CTN”), é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária que está diretamente relacionada com o fato gerador do tributo ou definida como responsável por disposição expressa de lei[3].
Neste sentido, a Seção III, do CTN, trata da responsabilidade pelo cumprimento de obrigações tributárias por terceiros. O artigo 134, do CTN, traz um rol de terceiros responsáveis no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, tornando-os solidariamente responsáveis pelos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis. No que tange às sociedades, o inciso VII, do artigo 134, do CTN, define que os sócios serão responsáveis pela obrigação tributária no caso de liquidação de sociedade de pessoas e o inciso III, do artigo 135, do CTN, dispõe que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado serão pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
Em relação às sociedades limitadas, o inciso VII, do artigo 134, do CTN, não é aplicável, uma vez que não são constituídas, comumente, como sociedade de pessoas, devendo ser analisado o caso concreto.
O inciso III, do artigo 135, do CTN, dispõe sobre a responsabilidade de administradores e representantes da sociedade pelas obrigações tributárias em determinadas situações, desta forma, os sócios serão responsabilizados de acordo com este dispositivo legal, caso cumulem a função de administrador da sociedade da qual são sócios. Ademais, de acordo com o artigo 135, do CTN, o sócio administrador deve agir com dolo para que seja responsabilizado, tendo em vista que responderá apenas pelos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei ou contrato social, vinculando-o a uma responsabilidade subjetiva. A responsabilidade subjetiva do sócio administrador é entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a ementa de alguns julgados abaixo transcritos:
Agravo de Instrumento. Execução Fiscal. Inclusão do sócio no polo passivo da demanda. Artigo 135, III, do CTN. Inadmissibilidade O mero inadimplemento, não enseja, por si só, a responsabilização do sócio-gerente. Exigência de demonstração de dolo ou fraude nos atos praticados pelos representantes legais dos quais decorram o inadimplemento da obrigação tributária. Entendimento consagrado pelo STJ. Decisão mantida. Recurso improvido[4].
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Devolução dos autos pelo Excelentíssimo Desembargador Presidente da Seção de Direito Público do deste Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 543-C, 7º, do Código de Processo Civil, para adequação ou manutenção da decisão, em função do julgamento do Recurso Resp nº 1.101.728/SP, em 23/03/2009, que reconheceu, nos tributos lançados por homologação, que a declaração do contribuinte elide a necessidade da constituição formal do débito pelo fisco, bem como que a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional. Devolução dos autos à Turma Julgadora em cumprimento ao disposto no art. 543-C, §7º, do CPC. Manutenção do Acórdão[5].
Portanto, a responsabilidade dos sócios no âmbito do direito tributário decorrerá (i) dos atos praticados por estes, quando também forem administradores da sociedade, sempre com excesso de poderes ou em infração aos dispositivos legais ou estatutários; e (ii) em se tratando de sociedades de pessoas, o sócio responderá pela inadimplemento da obrigação de pagar da sociedade quando houver omissão e interveniência de tal sócio em relação a respectiva obrigação; caso contrário, a responsabilidade pelo pagamento dos débitos é exclusiva da sociedade, que tenha seu capital social totalmente integralizado.
Ademais, vale ressaltar que incumbe ao Fisco provar que o sócio da pessoa jurídica cometeu atos ilícitos nos termos do artigo 135 do CTN, podendo tal prova ser feita no âmbito do processo administrativo ou da execução fiscal. No âmbito das execuções fiscais, caso o nome dos sócios conste como corresponsável na certidão de dívida ativa, uma vez que esta possui presunção de certeza e legitimidade, inverte-se o ônus da prova, pois presume-se que a responsabilização pessoal já tenha sido caracterizada no processo administrativo. Nestes casos, caberá aos sócios provarem que não cometeram os atos ilícitos que lhes foram imputados.
[1] BRASIL. Artigo 1.052 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 10 mar. 2014.
[2] GAINO, Itamar. Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 38.
[3] BRASIL. Artigo 121 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em 10 mar. 2014.
[4] Agravo de Instrumento nº 2068779-22.2013.8.26.0000 – Comarca de Campinas, Estado de São Paulo. Relator Excelentíssimo Dr. Luiz Burza Neto. Voto nº 33.272, julgado em 26 de fevereiro de 2014.
[5] Agravo de Instrumento n° 2019637-15.2014.8.26.000 – Comarca de Votorantim, Estado de São Paulo. Acórdão proferido pela 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator Excelentíssimo Dr. Paulo Barcellos Gatti. Voto nº 2.635, julgado em 24 de fevereiro de 2014.