A INSTITUIÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DE DIVULGAÇÃO DO BENEFICIÁRIO FINAL PERANTE A RECEITA FEDERAL POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS E BRASILEIRAS – RAZÕES E PRAZOS

Ana Carolina Rovida de Oliveira
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

 

I- INTRODUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITOS

 

Desde a década de 80, e com o advento de novas formas de comunicação, principalmente a Internet, na década de 90, o mundo se torna a cada dia mais globalizado, e de maneira inexorável, o aumento da troca de informações gera consequências.

Até a década de 90, os países não tinham uma rede de trocas de informações sobre o patrimônio de empresas e pessoas instituída, e desde a segunda guerra mundial, não havia preocupação com o transito de bens e pessoas, que se iniciou de maneira incipiente com as crises econômicas que ultrapassaram fronteiras nacionais, no final dos anos 90, com o advento do crescimento de multinacionais, e o enriquecimento exponencial de seus proprietários que começaram a se tornar bilionários.

No final da década de 90, os países desenvolvidos no mundo consideravam o segredo bancário a norma, e países como Suíça e paraísos fiscais clássicos como Luxemburgo, Mônaco e demais principados europeus, nem imaginavam abrir qualquer tipo de exceção à não divulgação de dados de seus correntistas. Ainda assim, a OCDE[1] desde seu início, em 1961, fomentou a transparência e troca de informações. Em 1998, a OCDE conseguiu aprovar um primeiro relatório sobre competição prejudicial com relação à tributação.

A partir do início do século 21, novas tentativas foram realizadas pela OCDE até que com a crise financeira de 2008 e seu impacto quase que global, houve uma mudança no ambiente mundial e um questionamento maior por aqueles que tiveram grandes perdas financeiras, mas viram que as grandes corporações (multinacionais) escolhiam o país com tributação mais favorecida para não pagar tributos em países desenvolvidos, que tradicionalmente tributam mais seus nacionais.

A primeira menção expressa da necessidade de revisão do modelo de tributação mundial, tendo em vista o favorecimento às grandes multinacionais e os bilionários mundiais, bem como esquemas de planejamento tributário agressivos envolvendo estruturas complexas e em muitas jurisdições, foi no encontro do G20[2] em abril de 2009, a qual foi repetida no encontro do G8 em L’Aquila, Itália em julho de 2009.

Em resposta ao aumento da pressão traduzida pelos representantes de países de expressão mundial, a OCDE revisou sua Convenção Multilateral para Assistência em Matéria Tributária (a “Convenção”) inicialmente instituída em 1988, para incluir as mais modernas previsões, criando o modelo que está prevalecendo no mundo a partir de sua entrada em vigor em junho de 2011, de troca de informações primeiro por solicitação entre administrações de cada país, e na sequência de maneira automática entre administrações fazendárias mundiais, sem distinção.

Antes mesmo dessa reformulação da Convenção, a OCDE como resposta ao chamado do G20, reformulou seu Fórum Global e o renomeou como Fórum Global para Transparência e Troca de Informações para fins Tributários, e a partir de setembro de 2009, passou a aceitar Estados membros mesmo que não participantes da OCDE, para fomentar a troca de informações, e que ao final de 2017 contava com 150 Estados membros[3], tornando-se portanto um relevante fórum para adoção de novas regras e recomendações mundiais.

Alguns conceitos se tornam necessários para esclarecimento das estruturas de entidades adotadas pelos diversos países pelo mundo. Em várias jurisdições são consideradas empresas “onshore”[4] aquelas que realizam negócios regulares dentro de seus territórios e oferecem à tributação local seus resultados sem qualquer benefício tributário, e empresas “offshore”[5] aquelas registradas em jurisdições nas quais não realizam negócios regulares em tais territórios e que por essa razão recebem tratamento tributário diferenciado, mais benéfico ou isenção de tributação.

São mais recentes as empresas chamadas “midshore”[6] e que tem sido melhor aceitas, pois apesar de seus países sede concederem benefícios tributários existem regras de transparência e troca de informações muito claras, inclusive com necessidade de auditorias e revisões anuais por órgãos governamentais. 

A adoção de cadeias empresariais em diversas jurisdições foi muito popular nos EUA até o advento do FATCA[7], promulgado em 2010 e que passou a exigir que instituições financeiras estrangeiras informem movimentações de pessoas e entidades consideradas norte americanas ao governo dos EUA. Tais informações geraram o conhecimento de que as grandes multinacionais, como Apple, Facebook e outras mantinham seus lucros em países com tributação mais favorecida para não pagar impostos nos EUA.

O movimento pela identificação mais detalhada das cadeias empresariais, seus beneficiários finais efetivos e consequente revisão das regras de tributação mundial vem ganhando muitos adeptos, devido às graves crises econômicas e reformulações de utilização de países com menor carga tributária como forma não só de se evitar pagamento de tributos, mas para financiamento de atos criminosos, financiamento ao terrorismo, e lavagem de dinheiro de atos de corrupção ao redor do mundo.

 

II – INSERÇÃO DO BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL

 

O Brasil participa como parceiro estratégico da OCDE, e recentemente[8] apresentou pedido de acessão ao quadro de membros ativos da organização. O Brasil assinou o FATCA com os Estados Unidos da América desde 2014, e a partir de 2017 passou a realizar a troca de informações automáticas prevista na Convenção, pois a ratificou em 2016 com início da vigência em outubro daquele ano.

O Brasil participa do Fórum Global da OCDE desde sua retomada no final de 2009. Já houve por parte do Fórum Global a verificação de atendimento pelo Brasil aos requisitos da troca de informações por solicitação, e a partir de 1 de janeiro de 2018 o Brasil passa a fazer parte das jurisdições inseridas na troca automática de informações para fins tributários sem distinção.

 

III – ADOÇÃO DAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS RFB 1634/2016, 1729/2017 E ATO DECLARATÓRIO EXECUTIVO COCAD No. 9/2017

 

A identificação completa de cada participação societária, até os dados e informações de beneficiários finais de pessoas jurídicas e de arranjos legais, tem se revelado um obstáculo para melhor identificação nas trocas de informações internacionais no âmbito da OCDE. Como consequência os diversos países participantes do Fórum Global para Transparência se comprometeram em efetivar em suas jurisdições medidas para facilitar a análise das informações trocadas.

Os conceitos inicialmente estabelecidos na IN/RFB 1634/2016[9], foram frutos de estudos e debates realizados por órgãos federais no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), promovendo a transparência e identificando os reais beneficiários das empresas e recursos aplicados no país, para aplicar as normas internacionais as quais o Brasil aderiu ao sistema jurídico nacional.

Nos termos do artigo 8º da IN/RFB 1634/2016, as entidades empresariais brasileiras e as entidades domiciliadas no exterior que sejam titulares de imóveis, veículos, contas-correntes, participações societárias ou aplicações no mercado financeiro e de capitais, ao apresentarem suas informações cadastrais, devem identificar a cadeia de participação societária até alcançar o beneficiário final, ou as entidades listadas no parágrafo 3º.

Os beneficiários finais foram melhor definidos como “a pessoa natural em nome da qual um transação é conduzida” ou “a pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente a entidade” em alterações na IN/RFB 1634/2016”[10].

As entidades que efetuaram a sua inscrição no CNPJ[11] a partir de 1º de julho de 2017 já estavam obrigadas a prestar as informações relativas aos beneficiários finais. As entidades já inscritas, antes de 1º de julho de 2017, também já estavam obrigadas a prestar as informações quando da realização de alguma alteração cadastral, e tal prazo se estenderá até 31 de dezembro de 2018. Após tal prazo, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2019, as entidades brasileiras e estrangeiras que não tenham prestado as informações relativas aos seus beneficiários finais terão seus CNPJs suspensos até regularização. Entretanto, o sistema da Receita Federal para inscrição ou alteração cadastral no CNPJ, denominado ColetaWeb, somente foi atualizado para permitir a inclusão das informações dos beneficiários finais das entidades brasileiras e estrangeiras, com a publicação do ADE COCAD No. 9[12] bem depois do início da obrigatoriedade acima mencionada.

Também houve a exigência da informação do Legal Entity Identifier (LEI) para as entidades que possuírem este identificador, o qual faz parte de um cadastro internacional utilizado por diversos países e será utilizado para segurança nas operações financeiras internacionais relevantes.

 

IV – CONCLUSÕES

 

Tendo em vista a extensa troca de informações atualmente tornada possível pela evolução dos meios de comunicação, os países participantes do Fórum Global para Transparência em Matéria Tributária, criaram ao longo da última década instrumentos e recomendações para que o conhecimento das informações bancárias e tributárias se torne compartilhado e assim se diminua evasão fiscal, e se coíba a realização de planejamentos tributários agressivos, bem como práticas de atos criminosos, como lavagem de dinheiro, desvios decorrentes de corrupção, dentre outros.

A evolução da troca de informações entre países de maneira solicitada bilateralmente, para troca automática de informações sem distinção se mostrou incompleta pela falta de identificação dos efetivos beneficiários finais das estruturas, entidades e arranjos legais em diversas jurisdições.

Assim, a próxima etapa foi a recomendação, em 2016, para a criação de regramentos visando a total divulgação às autoridades governamentais em cada jurisdição de tais informações.

Nesse contexto, o Brasil está inserido, e para atender às recomendações do Fórum Global para Transparência criou a obrigatoriedade da informação da cadeia de participação societária e seus beneficiários finais por intermédio da IN/RFB 1634/2016, e suas alterações posteriores.

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[1] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – organização multilateral com sede na França.
[2] Os 20 países mais desenvolvidos conforme classificados pela OCDE.
[3] Informação extraída do site do Fórum Global – Disponível em: <http://www.oecd.org/tax/transparency/>. Acesso em:  02 abr. 2018.
[4] Uma empresa que é incorporada num país ou jurisdição com reputação para condução de negócios dentro de suas fronteiras e com a intenção de se submeter a todos os requisitos legais de tributação local.
[5] Uma empresa que normalmente é proibida de realizar negócios dentro das fronteiras de seu país sede, o qual em troca de fornecer uma tributação zero ou mínima, exige que sua atuação seja apenas fora de seu território. Normalmente, o país sede concede para esse tipo de empresas benefícios de privacidade de acesso a informações e financeiros, não exigindo auditorias, ou que seus proprietários residam ou tenham qualquer registro em seu território.
[6] As jurisdições atualmente consideradas midshore são Hong Kong, Cingapura, Malta, Irlanda e Liechtenstein. Os modelos de empresas nessas jurisdições são considerados híbridos entre offshore e onshore, pois podem ter negócios nos territórios de suas sedes com tributação local e negócios fora de suas sedes com tributação favorecida ou menor.[7] FOREIGN ACCOUNT TAX COMPLIANCE ACT (FATCA). Lei de Observância sobre impostos para contas estrangeiras. Disponível em: <https://www.irs.gov/businesses/corporations/foreign-account-tax-compliance-act-fatca>. Acesso em: 03 abr. 2018.
[8] Em fevereiro de 2018.
[9] Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, No. 1634, publicada em 6 de maio de 2016, e alterada posteriormente.
[10] Foi publicada em 14.8.2017, a IN RFB nº 1729/2017, que detalhou o conceito de beneficiário final e suas exceções.
[11] Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.
[12] BRASIL. Ato Declaratório Executivo COCAD n° 9, de 23 de outubro de 2017. Receita Federal.  Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=87392>. Acesso em: 03 abr. 2018.

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