A AUTORREGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO

Carolina Santos Pereira Leite
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

 

I INTRODUÇÃO

 

O mercado financeiro e o mercado de capitais são objetos cuja proteção o direito se ocupa através de meios regulatórios, sejam eles estatais (leis, decretos, medidas provisórias, resoluções) ou particulares.

O Estado fiscaliza e cria mecanismos de reprovação e combate a situações que possam levar ao desequilíbrio do mercado, de forma preventiva quando evita que o mercado seja contaminado pela quebra da confiança ou por meios repressivos, já com a adequação do mercado a situações ocorridas.

A Lei nº 4.728/65, que disciplinou o Mercado de Capitais, criou regras de incentivo para a abertura do capital de empresas nacionais, delegando ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central (BC) poderes regulatórios sobre o mercado de capitais[1].

Ao CMN, dentre suas funções regulatórias, delegou-se o papel de disciplinar as atividades das Bolsas de Valores, assim como estabelecer normas para as operações das instituições financeiras para a preservação da solidez e do crédito.

Esse cenário já demonstrava certa disposição do Estado em separar a função regulatória das operações de crédito do Banco Central e das operações de mercado de capitais da futura Comissão de Valores Mobiliários.

Posteriormente, com a determinação ao BC da responsabilidade pela regulação tanto do mercado financeiro quanto do de capitais, operou-se um engessamento e um excesso de competências que atrasa as linhas de desenvolvimento do mercado; neste contexto, foi instituída a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com a finalidade de regulamentar, fiscalizar e punir as infrações cometidas no âmbito do mercado de capitais.

 

II AUTORREGULAÇÃO DO MERCADO

 

O termo autorregulação tem origem histórica nos grupos medievais organizados, advindos das “cidades livres”[2] nos séculos XI e XII, que possuíam poder para legislar suas próprias leis e manter tribunais de justiça, com sua evolução histórica para corporações profissionais[3].

A autorregulação permite às entidades privadas interferirem em certas situações econômicas para adequá-las aos modelos pré-estabelecidos de mercado, podendo, até mesmo, aplicar sanções através de mecanismos próprios.

A autorregulação é um modelo, de caráter privado, organizado por pessoas que atuam no mercado e que leva a fiscalização dos negócios de forma menos burocrática. Por outro lado, o modelo legal prevê a regulação do mercado por meio da intervenção do Estado, com delegação de parcela do poder de regulação ao próprio mercado, ou seja, o próprio Estado impulsiona a existência da autorregulação, deixando para si apenas o ato de fiscalizar/sancionar.

O sistema autorregulatório, por ser privado e livre de intervenção, é mais facilmente alterável, o que permite mais agilidade e melhor acompanhamento das situações da realidade, mas é importante que se tenha equilíbrio entre sua liberdade e flexibilidade.

As entidades autorreguladoras, em sua maioria, têm interesse em manter a transparência de suas atividades, exigindo o cumprimento de suas normas aos seus agentes, consolidando padrões de conduta que garantem um modelo ético aos produtos e serviços através de normas e políticas, pontos estes favoráveis à sua aplicação.

Ao promover a segurança do mercado, a autorregulação tende a aumentar os investimentos ao demonstrar que possui controle sobre suas próprias ações, trazendo um sistema economicamente mais vantajoso.

 

III. PODER REGULATÓRIO DA CVM

 

A CVM é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, sem subordinação hierárquica, que possui condição de entidade reguladora, devendo fiscalizar e controlar as sociedades de capital aberto, assim como a emissão pública de ações e outros valores mobiliários; além disso tem também a função de aplicar punições a atos ilegais que forem praticados pelos administradores das empresas.

A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que disciplina o mercado de valores mobiliários e instituiu a CVM, atribuiu a esta a importante competência reguladora para disciplinar, normatizar e fiscalizar as atividades concernentes ao mercado de valores mobiliários no Brasil[4]. É no artigo 8º, inciso I, da citada lei que está disposta a competência da CVM para regulamentar, com o acompanhamento do Conselho Monetário Nacional, sobre matérias no âmbito do mercado de valores mobiliários.

Sendo regida por normas constitucionais e legais, assim como pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade, a função reguladora da CVM é de extrema importância por estar próxima aos eventos que ocorrem no setor econômico, podendo, assim, atingir resultados de forma mais ágil e eficiente e de extrema importância para o regular desenvolvimento do mercado de capitais.

Para o exercício do seu papel, a CVM edita instruções, atos normativos e diversos instrumentos relacionados à política de autorregulação. Tais poderes são conferidos a ela porque estão pautados na busca da confiabilidade e eficiência que possui em suas matérias, que são de especial complexidade técnica, tudo para que o mercado tenha um significativo desenvolvimento condizente com suas necessidades atuais.

 

IV PODER REGULATÓRIO DA BOLSA DE VALORES

 

Foi na década de 90 que o Brasil começou a investir em valores mobiliários, diante da evolução da economia brasileira e da abertura aos mercados externos, o que trouxe investidores estrangeiros para o nosso país, assim como maior atuação dos investidores nacionais em âmbito internacional[5].

O mercado interno passou a ser mais atraente, e o volume de negócios das Bolsas do Brasil cresceu, assim como o acesso às bolsas internacionais, que se tornou mais fácil por conta da redução dos custos.

Nesse cenário, a antiga Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) viu a necessidade de impulsionar o mercado nacional através de tecnologia que trouxe mais capacitação ao sistema e melhor infraestrutura nas negociações. Além disso, houve um aumento de empresas listadas em diversos setores junto à Bovespa, já que passaram a vislumbrar o mercado de capitais como um meio de captar recursos juntos aos investidores e financiar projetos de investimento, tudo para se tornarem mais competitivas no mercado.

Assim, passando a ter a estrutura existente no mercado global, em 28 de agosto de 2007, a Bolsa de Valores de São Paulo passou por uma reestruturação societária por meio do processo de desmutualização, no qual abriu seu capital através de uma das ofertas públicas de ações mais disputadas de todos os tempos, passando a ser uma sociedade anônima de capital aberto.

Posteriormente, com a desmutualização e oferta pública da Bolsa de Mercadorias e Futuros, houve a fusão das duas bolsas, surgindo a BM&FBovespa S.A.

Com sua reorganização societária, a Bolsa se valeu da Instrução nº 461 da Comissão de Valores Mobiliários para separar algumas de suas funções, como a administrativa e regulatória, sendo, assim, criada a Bovespa Supervisão de Mercado (BSM), sociedade sem fins lucrativos com a competência de supervisionar o mercado da bolsa no Brasil[6].

A BM&FBovespa manifesta seu poder fiscalizatório através da análise, supervisão, investigação e julgamento de atos praticados contra as normas regulatórias e autorregulatórias do mercado, prezando por elevados padrões éticos de atuação nos mercados de bolsa e balcão organizado[7]. A Bolsa apura atuações suspeitas e irregulares na esfera do mercado de capitais, podendo até mesmo aplicar sansões diante do seu poder fiscalizatório, nos termos da Lei nº 6.385/76.

A BSM possui também atuação via processo administrativo para ressarcimento de prejuízos sofridos por investidores em decorrência da ação ou omissão de administradores, empregados, operadores e prepostos de participante ou de agente em relação à intermediação de operações com ativos, títulos e valores mobiliários realizados no mercado da Bolsa pela BM&FBovespa, visando à proteção e integridade do mercado, administrando o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP)[8].

A Bolsa possui participação fundamental na garantia da transparência e na credibilidade do mercado de ações e, mesmo sendo supervisionada pelos órgãos reguladores, a Bolsa transfere aos seus integrantes certas regras para a condução dos negócios e práticas de governança corporativa.

Sob a estrutura de sociedade anônima, a Bolsa busca resultados financeiros que atendam as crescentes expectativas do mercado, as quais poderiam em tese, induzi-la a privilegiar o fomento de suas ações em detrimento da necessária e rigorosa fiscalização do mercado.

 

V – CONCLUSÃO

 

As múltiplas formas de regulação e versões de “melhores práticas” irão continuar a evoluir no regulamento e continuarão a refletir nas normas sociais e no histórico estrutural regulador de cada país ou do mercado. No entanto, o vigilante funcionamento do regulador é fundamental, especialmente porque a integração no mercado mundial continua a evoluir.

Para regular tais situações e ainda prevenir a economia de crises e depressões, cabe ao Estado a intervenção devidamente limitada pela lei e fiscalizada pelo direito para demonstrar integridade, competência, diligência e, em a persecução dos objetivos da regulação. Assim como cabe ao direito a implementação de regras para proteção dos investidores perseguindo a credibilidade do mercado e da própria Bolsa, é por sua presença atuante que se pode alcançar a confiança nestas instituições.

No mínimo o governo deve fornecer um nível adicional de conforto, porém os custos não podem exceder aos benefícios da regulação, nestes termos temos a regulação oficial capaz de regular os fatos em um movimento descendente, como também temos em parte a possibilidade de inversão dos atos, e um movimento ascendente da força da norma que, por diversas vezes sobrecarregadas de processos autoregulatórios.

Diante da atividade privada da Bolsa de Valores, e mais que isso de seu duplo papel regulador e empresarial, a estrutura regulatória poderá precisar ser repensada, a ideologia das normas modificada, os temas regulatórios da Bolsa mais destacados, e à CVM se proporcione os meios adequados para um posicionamento mais ativo, também em face da Bolsa, enquanto empresa.

O escritório Marcos Martins Advogados está preparado e coloca a sua equipe atualizada de Direito Empresarial Consultivo e Societário à disposição para tratar de questões a respeito do Mercado de Capitais, e, está pronto para tirar dúvidas, com a apresentação de soluções criativas e seguras para os seus clientes e interessados.

 

[1] BRASIL. Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965. Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4728.htm>. Acesso em: 02 mai. 2018.
[2] As corporações de ofício tinham poder autorregulatório, com a criação de uma ordem jurídica externa para a autoproteção dos comerciantes frente às guerras do feudalismo, permitindo o desenvolvimento da burguesia.
[3] ROCHA, Glauco. Autorregulação e poder disciplinar das bolsas de valores, mercadorias e futuros. Revista Direito & Justiça, Porto Alegre, 2015. Disponível em:  <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/21431/13334>. Acesso em: 03 mai. 2018.
[4] BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4595.htm>. Acesso em: 03 mai. 2018.
[5] CARVALHO, A. Gledson de. Ascensão e declínio do mercado de capitais no Brasil – a experiência dos anos 90. Economia Aplicada, v. 4, n.3, 2000. FGV Pesquisa. Disponível em: <https://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/carvalho_-_ascensao_e_declinioo_do_mercado_de_capitais_no_brasil_-_a_experiencia_dos_anos_90.pdf >. Acesso em 02.05.2018.
[6] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007. Disciplina os mercados regulamentados de valores mobiliários e dispõe sobre a constituição, organização, funcionamento e extinção das bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros e mercados de balcão organizado. Disponível: <http:// http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst461.html >. Acesso em: 03 mai. 2018.
[7] BM&FBOVESPA. Estatuto Social da BM&FBovespa Supervisão de Mercados – BSM. São Paulo, 2017. Disponível em: <http:// http://www.bsm-autorregulacao.com.br/assets/file/codigo-conduta/BSM-Estatuto-Social.pdf >. Acesso em: 02 mai. 2018.
[8] Ibid.

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