AS PRINCIPAIS CLÁUSULAS DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL X DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

[column width=”1/1″ last=”true” title=”” title_type=”single” animation=”none” implicit=”true”]

Fabiana Cristina de Arruda Cueva Soares
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

O Tribunal de Justiça de São Paulo contém duas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial que tratam de temas como direito das empresas, sociedades anônimas, propriedade industrial, franquia, concorrência desleal, arbitragem e Recuperação Judicial e Falência.

Apesar da especialização, quando se trata do tema Recuperação Judicial, as Câmaras Reservadas divergem completamente em relação a algumas temáticas e trazem uma compreensão diferenciada em assuntos importantes, gerando, como consequência, certa insegurança jurídica às empresas em situação de crise, que invocam o Poder Judiciário para solucionar seus interesses.

A título de exemplo, é evidente as divergências encontradas, principalmente ao analisarmos as decisões proferidas pelas duas Câmaras Reservadas no tocante às cláusulas de deságio, assembleia prévia de convolação em falência e prazo de pagamento, inseridas em Plano de Recuperação Judicial e que são submetidas ao controle de legalidade pelo Tribunal de Justiça, após a aprovação de credores na Assembleia Geral.

Nesse passo, vale tecer breves comentários sobre essas cláusulas, e que são de suma importância para o processo recuperacional.

No tocante ao deságio aplicado no Plano de Recuperação, as Câmaras Reservadas possuem compreensão diferente para o percentual aceitável. Assim, a Primeira Câmara Reservada¹ já decidiu que não houve abusividade na aplicação de 80% de deságio, enquanto que a Segunda Câmara Reservada² , considerou abusivo o deságio menor, no percentual de 75%, com a consequente decretação de nulidade de tal cláusula.

É evidente que, para cada caso concreto, a análise do plano de Recuperação tem que se dar de maneira abrangente, não devendo o Poder Judiciário se ater a um ponto específico, como é o caso do percentual do deságio e não compreender que a elaboração do Plano deu-se num contexto em que foram analisados diversos fatores, como o fluxo de pagamento, a capacidade de geração de recursos, sua melhor destinação, prazo de pagamento, dentre outras questões financeiras e econômicas.

Portanto, o percentual de deságio, necessariamente, deve ser balizado com outros fatores econômicos, sempre levando em consideração que tais questões foram submetidas ao crivo dos credores, maiores interessados e que, efetivamente, suportarão as consequências da aprovação do Plano.

Um outro exemplo interessante e que merece análise, é quando o Plano de Recuperação Judicial prevê expressamente a obrigatoriedade de convocação de nova Assembleia Geral de Credores em caso de descumprimento das obrigações nele estabelecidas. No entendimento da Primeira Câmara Reservada³, referida cláusula não viola norma de ordem pública, sendo até mesmo recomendável que os credores se reúnam antes de decretação de quebra; ao passo que a Segunda Câmara Reservada⁴ decidiu pela inaplicabilidade de tal cláusula, destacando que eventual descumprimento do Plano deverá ser submetido ao exame prudente do magistrado e não da Assembleia Geral de Credores.

Particularmente, entendemos que o mais recomendável e prudente seja a convocação da Assembleia Geral de Credores; medida que mais privilegia a autonomia privada das partes, permitindo-se, inclusive, renegociação das condições, para que se evite, podendo, as consequências deletérias da decretação de falência e os prejuízos que dela advém.

Ou seja, os credores terão oportunidade de rediscutir nova proposta que melhor se coadunará com a realidade econômica vivenciada pela empresa recuperanda, possibilitando, assim, o cumprimento do Plano de Recuperação e a recuperação do crédito.

Interessante notar que há divergência, inclusive, em relação ao prazo de pagamento. Segundo entendimento da Primeira Câmara Reservada⁵, por exemplo, 15 anos de prazo configura período exageradamente longo, passível, portanto, de ilegalidade a ensejar a anulação desta cláusula. Em contrapartida, a Segunda Câmara Reservada⁶ decidiu que o referido prazo não se mostra abusivo e não ultrapassa o limite do suportável, ainda considerando o que a maioria dos credores reputa condizente com os seus próprios interesses.

Também a questão do prazo de pagamento deve ser avaliada em conjunto com outros fatores econômicos e isso se dará em cada caso concreto. Se o credor preferiu tais condições à falência do devedor, levou em consideração as possibilidades de renúncias e sacrifícios que são exigidas dele, para obtenção do sucesso da Recuperação Judicial da empresa.

Infelizmente, o Superior Tribunal de Justiça não se debruçou sobre referidos temas no sentido de uniformizar a interpretação de tais cláusulas, o que evidentemente traz como consequência insegurança jurídica, já que não há pacificação da jurisprudência nem mesmo no âmbito de um mesmo Tribunal, como no caso do Estado de São Paulo, que dirá quando se analisa os demais Tribunais Nacionais.

Indubitavelmente, as empresas em Recuperação Judicial, quando da elaboração do Plano de Recuperação, deverão ter ciência de que, a depender do órgão julgador, a decisão poderá ser favorável ou desfavorável ao quanto estipulado.

Portanto, de toda a análise acima explanada, constata-se a necessidade do profissional do direito atualizar-se e aprofundar-se nos estudos jurisprudenciais condizentes com as matérias que envolvem todo o processo de Recuperação Judicial, a fim de ter reais condições de posicionar e orientar o cliente acerca de temas delicados e complexos, tais como as divergências jurisprudenciais que circundam as principais cláusulas do plano de recuperação judicial.

O escritório Marcos Martins está preparado para orientar o cliente sobre todos os desafios impostos ao procedimento recuperacional com o exclusivo objetivo de permitir a superação e preservação da empresa em crise.

¹TJSP. AI 2170700-19.2016.8.26.000. 1 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Hamid Bdine. J. 08.02.17
²TJSP. AI 2232294-05.2014.8.26.000. 2 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Ramon Mateo Júnior. J.09.09.15
³TJSP. AI 2229786-18.2016.8.26.000. 1 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Francisco Loureiro. J.20.07.17.
⁴TJSP. AI 2111038-90.2017.8.26.000. 2 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Carlos Alberto Garbi. J.27.11.17.
⁵TJSP. AI 2092117-54.2015.8.26.0000. 1 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Francisco Loureiro. J. 11.11.15.
⁶TJSP. AI 2099683-88.2014.8.26.0000. 2 Câmara Reservada Direito Empresarial. Rel. Araldo Telles. J. 10.04.15.

Compartilhe nas redes sociais