DA IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL POR MEIO DE DECISÃO LIMINAR

Aubrey Renan de Oliveira Leonelli

Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

Temos visto alguns casos em que o magistrado, acolhendo pedido liminar do autor, antes mesmo de ouvir a parte contrária, ou ainda de ofício, determina ao Réu a constituição de capital para garantir o pedido de pensão incluído na petição inicial.

O tema referente à constituição de capital tem previsão legal expressa nos termos do art. 475-Q do Código de Processo Civil. Vejamos o dispositivo:

Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 1o Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 3o Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 4o Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário-mínimo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 5o Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

A questão é que a liminar de constituição de capital se confunde com a própria razão de ser da ação.

Na atual sistemática processual existem dois tipos de antecipação de tutela: cautelar e satisfativa. No primeiro caso, o que se busca é a proteção do direito para evitar lesão ou seu perecimento durante o curso do processo. No segundo, busca-se o próprio bem da vida pleiteado concedido em caráter provisório.

O Direito brasileiro permite que ambas as modalidades de antecipação de tutela sejam concedidas, desde que, para tanto, os requisitos legais sejam preenchidos.

Para o deferimento do pleito de constituição de capital por meio de liminar, deve o processo estar instruído com prova suficiente para demonstrar a verossimilhança do direito e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Como o pedido de antecipação para constituição de capital coincide com a procedência do pedido de pensão alimentícia, a cognição processual haveria de ser quase exauriente, assemelhando-se ao direito líquido e certo exigido para a concessão de Mandado de Segurança.

Ocorre que prova suficiente para demonstrar esse “direito líquido e certo” não existe em caráter liminar para esse tipo de demanda, posto que os processos que envolvem o direito a pensão são, via de regra, altamente litigiosos, com cada parte tentando provar ou desconstituir as afirmações da outra.

Outro não é o entendimento dos tribunais:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO Antecipação da tutela – Para sua concessão não basta a relevância da fundamentação, mas há, ainda, que se demonstrar os requisitos legais e as condições da ação, pois na medida antecipada, conceder-se-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor, ainda que em caráter provisório – Ausência da verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação – Recurso desprovido. (TJ/SP. Agravo de Instrumento Processo nº 2061806-51.2013.8.26.0000. Relator (a):  ALCIDES LEOPOLDO E SILVA JÚNIOR. Órgão Julgador: 1ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. Julgamento em: 11/02/2014. grifo nosso).

Há de se ressaltar que a previsão da Lei Processual Civil no que diz respeito a possibilidade de constituição de capital se aplica tão somente para sentenças ou acórdão transitados em julgado. A interpretação literal da norma legal em comento aponta para este entendimento, pois se refere à indenização e não ao pedido de indenização, de modo que, não há se falar em constituição de capital em sede de pedido liminar a título de antecipação de tutela.

Relembre-se que a constituição de capital é medida de proteção da pessoa que depende de pensão alimentícia em decorrência de fato que retirou seu meio de subsistência. Trata-se de gravame para o executado previsto em cumprimento de sentença deveras oneroso. Por esse mesmo motivo que é conferido só quando há decisão de mérito sobre a questão debatida, quando já submetidas as partes a todo o processo de cognição e contraditório.

Por óbvio que no ajuizamento de uma ação de conhecimento ainda não existe pensão a ser assegurada pela constituição de capital. O que existe é mera expectativa de direito que pode ou não advir do processo. A aplicação do disposto no art. 475-Q, do Código de Processo Civil antes mesmo do Réu ser citado é admitir o pré-julgamento pelo magistrado, ou seja, o juiz já se decidiu sem que fosse oportunizado ao Réu manifestar-se no processo. Não houve nem contestação nos autos e já está se considerando o pedido procedente! Está-se admitindo a violação ao Princípio da Presunção de Inocência inserto no art. 5º, LVII, da Carta Magna!

Como é possível em cognição sumária não submetida ao contraditório e ampla defesa o Réu ser obrigado a constituir uma garantia por causa de decisão interlocutória de concessão de tutela antecipada liminar e ter seus bens gravados de inalienabilidade e impenhorabilidade? Como essa decisão interlocutória se coaduna com o sistema democrático brasileiro e a liberdade de exercício de atividade econômica, previstos nos arts. 1º, inciso IV, 5º, incisos LIV e LV, 170, parágrafo único, todos da Constituição Federal?

Portanto, tendo como base o Estado Democrático de Direito brasileiro, não  se deve admitir a decisão liminar de constituição de capital, tendo em vista seu alto poder lesivo e seu caráter atentatório contra a Constituição nos artigos art. 5º, incisos LVII, LIV e LV, w 170.

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