RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

Milena Paternosti
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

O presente estudo visa abordar a recuperação judicial especial, criada para dar tratamento especial às microempresas e empresas de pequeno porte. O tema é bastante relevante considerando que 99% dos pequenos negócios empresariais são formados por micro e pequenas empresas, segundo dados fornecidos pela SEBRAE[1], que geram cerca de 50% dos empregos do setor industrial.[2]

O estudo das especificidades da lei para estas empresas é de suma importância, considerando que, no ano de 2015, aumentou substancialmente o número de pedidos de recuperação judicial, tendo as microempresas e pequenas de pequeno porte liderado os requerimentos neste sentido. [3]

Ressalta-se que a Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, notadamente em seus artigos 70, 71 e 72, buscou conferir a tais empresas um tratamento jurídico menos oneroso e mais simplificado, com a finalidade de atingir o objetivo estampado em seu artigo 47, “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômica financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Vale dizer que o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas está em consonância com o quanto previsto nos artigos 170, inciso IX e 170 da Constituição Federal.

Para facilitar a compreensão do presente estudo, necessário mencionar que a definição legal das microempresas ou empresas de pequeno porte está inserta no artigo 3º, da Lei Complementar nº 123/2006, que assim identifica a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

A lei permite que as micro e pequenas empresas optem pela recuperação judicial comum, aplicável às demais empresas (art. 48) ou pela recuperação judicial de plano especial. A princípio, a complexidade da recuperação judicial comum desaconselha o seu uso por tais empresas, todavia, pode se revelar a melhor opção em casos específicos, conforme adiante restará melhor detalhado.

Nos termos do artigo 71, o plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no artigo 53 da mesma lei, qual seja, no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias contados da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência.

Antes de ser feita a opção pelo plano comum ou especial, é necessário que seja analisado o perfil do débito da empresa interessada na recuperação.

Isso porque, no plano especial, estão abrangidos tão somente os créditos quirografários, com exceção dos decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos artigos §§ 3º e 4º do art. 49 da mesma lei, que tratam do capital financeiro de uma forma geral, excluindo da recuperação os débitos relativos à alienação fiduciária, arrendamento e outros, bem como os valores devidos a título de adiantamento de contrato de câmbio.

Diante desta limitação dos créditos sujeitos à recuperação, caso a maior parte dos credores da microempresa ou da empresa de pequeno porte não sejam classificados como quirografários, a opção pelo plano especial não é indicada, devendo ser adotado o procedimento ordinário, já que, nesta modalidade, não estão compreendidos apenas os créditos quirografários e todos os credores serão atingidos pelo plano de recuperação judicial, o que significa dizer que todas as ações e execução serão suspensas e não somente aquelas decorrentes dos créditos quirografários.

Outra análise muito importante a ser feita é sobre o meio para pagamento dos credores, o que interfere diretamente nas condições de recuperação da empresa.

No plano especial, os débitos podem ser divididos em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à Taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas, devendo o pagamento da primeira parcela ocorrer, no máximo, dentro de 180 dias contados da data da distribuição do pedido de recuperação.

Todavia, vale dizer que na recuperação judicial ordinária os prazos para parcelamento podem ser mais vantajosos, já que não há este limite de parcelas estabelecido na lei.

Outro ponto importante que precisa ser destacado é que, no plano especial, a Recuperanda deverá requerer autorização do juiz, que deverá ouvir o administrador judicial e o Comitê de Credores, caso queira aumentar despesas ou contratar empregados.

Assim, mesmo que o devedor permaneça administrando normalmente a sua empresa, sofrerá limitação em seu poder de decisão, o que poderá lhe atrapalhar as decisões sobremaneira, notadamente em casos de substituição de empregado.

Observa-se que o grande atrativo da recuperação judicial especial é a dispensa de convocação da assembleia geral para deliberar sobre o plano de recuperação, que traz um custo alto a ser suportado pela Recuperanda, sem mencionar os riscos decorrentes da flutuação de humores e das condições macroeconômicas. Acrescenta-se que, na recuperação judicial comum, a realização da assembleia é prevista em várias hipóteses.

Porém, há de se ressaltar que, na hipótese de mais da metade dos credores sujeitos ao procedimento especial se manifestar de forma contrária ao pedido de recuperação, a pretensão, em tese, deverá ser julgada improcedente, com a consequente decretação da quebra do devedor, malgrado alguns magistrados possam relativizar tal entendimento buscando o atingimento do objetivo recuperacional que, como visto, visa a manutenção da fonte produtora, dos empregos dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

A negociação com os credores anteriormente à apresentação do plano é indispensável, já que pode impedir que se manifestem de forma contrária ao pedido de recuperação formulado.

Em qualquer hipótese, o entendimento majoritário é que a objeção ao plano deverá ser suficientemente fundamentada para que seja acolhida, evitando-se abuso de poder por parte dos credores.

Para ingressar com o pedido de recuperação judicial especial, além do preenchimento dos requisitos comuns ao procedimento ordinário, é necessário que o devedor esteja exercendo regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e não tenha, há menos de cinco anos, obtido a concessão de recuperação judicial. O prazo originário era de oito anos, mas foi reduzido pelo inciso III, do artigo 48 da Lei Complementar nº 147/2014.

O não cumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação apresentado pelo devedor, na forma e data aprazadas, poderá levar à decretação da falência, caso o Magistrado não visualize a possibilidade de soerguimento da empresa recuperanda.

Feitos tais apontamentos, importa ressaltar que, embora o plano de recuperação judicial especial tenha sido criado para conferir às microempresas e empresas de pequeno porte um tratamento jurídico menos oneroso e mais simplificado, a opção por esta modalidade deve ser precedida de criteriosa avaliação, notadamente da natureza do crédito que se sujeitará aos seus efeitos, da adequação do meio previsto na lei para atingimento do objetivo recuperacional, além da influência dos obstáculos inerentes ao plano especial como a necessidade de autorização judicial para contratação de funcionários.

É necessário considerar as peculiaridades de cada empresa na escolha de recuperação judicial a ser adotada, pois a escolha errada pode acarretar custos elevados à recuperanda e impossibilitar o seu soerguimento econômico, o que inevitavelmente levará à sua falência.



[1] SEBRAE. Pequenos negócios em números. SEBRAE, São Paulo. Disponível em: <http://www.sebraesp.com.br/index.php/234-uncategorised/institucional/pesquisas-sobre-micro-e-pequenas-empresas-paulistas/micro-e-pequenas-empresas-em-numeros>. Acesso em: 26 jan. 2016.
[2] CNI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/cni-em-acao/microempresa-e-empresa-de-pequeno-porte/2012/07/1,4716/microempresa-e-empresa-de-pequeno-porte.html>. Acesso em: 26 jan. 2016.
[3] G1ECONOMIA. Aumento em pedidos de recuperação judicial é o maior em 9 anos. G1 Economia, São Paulo, 11 jan. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/aumento-em-pedidos-de-recuperacao-judicial-e-o-maior-em-9-anos.html>. Acesso em: 26 de jan. 2016.

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