Pandemia tem levado empresas à Justiça para rever contratos

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Mário Conforti
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

No direito privado, em especial, nas relações comerciais, a regra geral, derivada do brocardo latino pacta sunt sevanda, é a de que o contrato deve ser cumprido pelas partes ou, como preferem alguns, tem força de lei entre os contratantes.

Há muito, contudo, que se entende pela relativização dessa regra, inclusive, nas relações comerciais. Exemplo disso é a possibilidade de rescindir ou revisar um contrato diante de uma situação que gere um desequilíbrio tal, na relação entre os contratantes, fazendo com que o cumprimento do contrato se torne excessivamente oneroso para uma das partes.

Como se tem visto desde o início da pandemia do novo coronavírus, as medidas de contenção da doença impactam, diretamente, na economia. Diversos setores da sociedade estão sendo drasticamente afetados – e muitas empresas, infelizmente, acabaram fechando as portas. Nesse cenário conturbado, os operadores do direito estão sendo demandados a buscar soluções visando reequilibrar relações contratuais, a fim de, sempre que possível, manter os contratos e, com isso, garantir a continuidade das atividades econômicas, as quais geram empregos, distribuem renda, pagam tributos, etc.

Recentemente, um caso chamou atenção em razão da aplicação da Teoria da Imprevisão em decorrência do reajuste promovido pela operadora de plano de saúde coletivo contratado por uma empresa em benefícios dos seus funcionários. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento da justiça paulista acerca da rescisão do contrato de plano de saúde coletivo em razão da onerosidade excessiva que se instaurou na relação pela aplicação da cláusula de pagamento mínimo após o reajuste do valor do plano.

Quando fez a contratação do plano de saúde coletivo, a empresa tinha 603 beneficiários ativos. No entanto, após o reajuste do valor do plano pela operadora, 354 beneficiários solicitaram o cancelamento do benefício à empregadora por não terem condições de arcar com os novos custos. Com isso, o plano de saúde coletivo passou a contar com 249 beneficiários ativos. A operadora, por sua vez, aplicou a cláusula de pagamento mínima prevista no contrato, por meio da qual a contratante do plano de saúde coletiva deveria arcar com o equivalente a 409 beneficiários ativos. Como haviam apenas 249 beneficiários ativos no plano de saúde coletivo contratado, a empregadora teria de arcar, na prática, com os custos de 160 beneficiários inexistentes, que não demandariam qualquer contraprestação por parte da operadora.

Vale destacar que a cláusula prevendo a cobrança de um valor mínimo em contrato de plano de saúde coletivo é válida. No caso concreto, o que se discutiu foi o desequilíbrio causado por essa cláusula de pagamento mínimo em decorrência da saída expressiva de beneficiários do plano de saúde coletivo em virtude do aumento aplicado pela operadora.

Segundo a relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi, a cobrança do pagamento mínimo, sem qualquer contraprestação da operadora, caracterizaria uma violação do espírito de justiça contratual que deve prevalecer nas relações contratuais. Ou seja, o STJ entendeu que a saída significativa de beneficiários em razão do reajuste aplicado pela operadora configurou situação excepcional e imprevisível que tornou o contrato do plano de saúde coletivo excessivamente oneroso para a empregadora contratante.

A questão que se coloca, e que não está definida no Judiciário, é se os efeitos da pandemia do novo coronavírus podem configurar situação extraordinária e imprevisível a possibilitar a intervenção estatal nas relações privadas para fins de rescisão ou revisão de contratos.

Apesar de o julgado do STJ tratado neste artigo não constituir um precedente judicial (ou seja não ter aplicação obrigatória por Tribunais de Justiça dos estados e juízes de 1ª instância), o resultado desse julgamento abre espaço para discussão sobre a possibilidade de rescisão ou revisão da cláusula de pagamento mínimo em contratos de plano de saúde coletivo afetados por situação imprevisível e extraordinária, tal como a pandemia do novo coronavírus.

Assim como no caso concreto do plano de saúde coletivo, situações imprevisíveis e extraordinárias afetam toda a sorte de contratos, de modo que a aplicação da Teoria da Imprevisão ou da Onerosidade Excessiva encontra aplicação nas mais variadas hipóteses.

Prevendo o aumento na busca pela Justiça em razão da pandemia, incluindo novas ações tratando de rescisão ou revisão de contratos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no final do ano passado, aprovou o ato normativo 8.554 prevendo regulamentar a criação de novas soluções tecnológicas para realização de conciliação e mediação por meio virtual (ODRs – Online Dispute Resolutions).

A medida do CNJ é importante e os métodos alternativos de solução de disputas como a conciliação e a mediação podem ser utilizados em casos de disputa contratual entre duas empresas, como no exemplo do caso julgado pelo STJ e referido linhas acima. Todo estímulo à solução consensual e negociada é importante, ainda que, na prática, não sejam suficientes, até o presente momento, para desafogar o Judiciário.

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