Best execution of orders: fundamentos jurídicos da proteção de investidores não institucionais e estímulo ao maior acesso ao Mercado de Capitais

Jayme Petra de Mello Neto
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

Em um movimento de maior proteção dos investidores não institucionais, resguardando a sua função primordial de garantidora da Poupança Popular, a Comissão de Valores Mobiliários colocou em audiência pública (CVM – SDM 09/2019) uma proposta de alteração dos mecanismos de melhor execução das ordens de clientes não institucionais, referido em Mercado de Capitais como Best Execution.

A previsão regulamentar de best execution não é uma novidade no contexto regulatório e jurídico brasileiro. Já está claramente assentada como uma conduta impositiva às instituições intermediárias desde setembro de 2011, com a redação originária da Instrução CVM nº 505[1]. Apenas contextualizando, a referida Instrução surge num momento bastante peculiar do Mercado de Capitais Brasileiro, ainda sob os influxos dos movimentos de desmutualização das Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros, buscando alargar o espectro de investidores, atraindo mais investidores não institucionais, aumentando a abrangência deste tipo de investimento. A disciplina adotada a partir da Instrução nº 505 é bastante diversa do tradicional mecanismo de regulação do cumprimento de ordens, anteriormente sob o pálio da Instrução nº 122.

O modelo atual abandonou o caráter estritamente formal, cuja verificação regulatória se cingia à verificação de cumprimento fiel (faithfull execution) e migrando para o conceito de maior eticidade do melhor cumprimento (best execution).

Não existe a priori uma definição do que seja best execution. A Instrução CVM, bem como a proposta de alteração da audiência pública, acertadamente, não trilham o caminho de tentar definir juridicamente o que seja best execution. Apontam uma série de indicativos e objetivos que devem ser observados pela instituição intermediária para que o seu procedimento seja entendido como best executed.

Aponta a Instrução que o intermediário, na execução da ordem nas melhores condições, deverá sempre ter em conta os seguintes objetivos e indicadores: (i) preço; (ii) custo; (iii) rapidez; (iv) probabilidade de execução e liquidação; (v) volume; (vi) natureza; e, (vii) quaisquer outras considerações relevantes.

Não existem, portanto, balizadores numéricos ou fronteiras precisas para se definir desde o instante inicial o que seja best execution.

Poderia desta forma ser argumentado que a atual normativa poderia levar à Insegurança Jurídica, o que seria contrário ao próprio espírito protetor da CVM. Entretanto, tal não é verdadeiro.

Desde 2002, ao menos, o Direito Brasileiro, por influência do atual Código Civil, vive sob a égide da máxima Eticidade, que privilegia a existência de cláusulas abertas e conceitos abstratos, dotados de alto conteúdo axiológico, inobstante se expressarem por formas indefinidas.

Pode-se afirmar, categoricamente, que a Instrução CVM nº 505 está plenamente adequada e esta técnica legislativa ao enunciar objetivos, indicadores, ou seja, vetores axiológicos, para impor a regulação de best execution. Até mesmo porque, em seu texto, enuncia a plena adoção da boa-fé como um valor essencial nas execuções de ordens pelos intermediários. Vide o quanto estabelece o artigo 30, da Instrução CVM nº 505:

Art. 30. O intermediário deve exercer suas atividades com boa fé, diligência e lealdade em relação a seus clientes.

Neste sentido de Eticidade, no qual a boa-fé objetiva, transcendendo o Código Civil e permeando todas as demais relações jurídicas de cunho obrigacional – como é o caso de ordens de investidores a intermediários – é a regra mater, deve-se observar a máxima extensão deste primado ético-jurídico.

Isto significa que devem ser aplicados, com características interpretativas e normativas, os conceitos a latere da boa-fé objetiva, sobretudo os que se referem a deveres anexos. A opinião jurídica comum impõe que somente se considera objetivamente em boa-fé as condutas que carreguem anexa a plena informação e a plena colaboração, tanto recíproca como adversamente consideradas as partes.  Fair play levado ao extremo jurídico. E, além da informação e da colaboração, a boa-fé objetiva demanda ainda que as condutas não apresentem comportamentos contraditórios, elegendo a proibição de venire contra factum proprium como norma de cunho meta-legal e de observância sobreposta.

Observando a forma normativa proposta pela Audiência Pública que visa alterar a Instrução CVM nº 505, bem como as normas que não serão derrogadas pela nova redação, é clara a preocupação do agente regulatório como o dever de informação, criando uma série de obrigações de informação direta e pessoais, bem como de manutenção de material informativo à disposição (e.g. art 20, III, e art. 20, § 1º).

Há também ressaltado o dever de colaboração, quando, por exemplo, a Instrução demanda que no caso de ordem concorrentes entre clientes que não são vinculados ao intermediário e de clientes a este vinculados, sejam cumpridas com prioridade as ordens daqueles.

E, por fim, como exemplo de proibição de comportamento contraditório, deve ser ressaltada a obrigatória criação dos mecanismos de controle interno, sobretudo com vistas à resolução de conflitos de interesse entre os clientes e o próprio intermediário ou pessoas a ele vinculadas.

Não bastassem estas previsões éticas e a obrigatoriedade de funcionamento de mecanismos de controle interno, poorly executed orders ainda estão sujeitas a um controle heterogêneo por meio dos Mecanismos de Reparação de Prejuízos, existentes no âmbito das Bolsas e Mercados de Balcão.

A adoção deste sistema de maior Eticidade sem dúvida possibilita que mais pessoas possam experimentar, sem receios, o investimento em Mercado de Capitais, tendo a certeza de que há um regramento jurídico a lhes suportar caso venham a ser vitimadas por uma poorly executed order.

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[1] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução nº 505, DE 27 de setembro de 2011. Estabelece normas e procedimentos a serem observados nas operações realizadas com valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários. Diário Oficial da União, [S. l.], 28 set. 2011. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst505.html. Acesso em: 09 mar. 2020.

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