O IRRF NAS REMESSAS AO EXTERIOR EM PAGAMENTO PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E OS TRATADOS CONTRA DUPLA TRIBUTAÇÃO

[column width=”1/1″ last=”true” title=”” title_type=”single” animation=”none” implicit=”true”]

Fábio Bernardo
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

Os residentes no exterior, sejam pessoas físicas ou jurídicas, em função do princípio da territorialidade, estão sujeitos ao pagamento do imposto sobre a renda brasileiro relativamente aos rendimentos aqui produzidos.

Nesse contexto, o artigo 682 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99, prevê que “Estão sujeitos ao imposto na fonte, de acordo com o disposto neste Capítulo, a renda e os proventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País”

Nesse breve estudo, será abordada a incidência do IRRF quando da remessa de valores em pagamento pela prestação de serviços, quando o beneficiário dos rendimentos resida em país com o qual o Brasil tenha firmado convenção para evitar a dupla tributação.

Com efeito, o texto das convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação costuma seguir a convenção modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que prevê tratamentos diversos para vários tipos de rendimentos.

Há muito se discute em qual dos artigos da convenção modelo se enquadram os rendimentos decorrentes da prestação de serviços, sendo que a Receita Federal do Brasil – RFB sempre defendeu que os valores decorrentes da prestação de serviços por residente no exterior deveriam ser enquadrados como “rendimentos não expressamente mencionados”, passíveis de tributação em ambos os Estados,  e os contribuintes que tais rendimentos enquadram-se no conceito de lucros das empresas, os quais só são tributados, em regra, em um dos Estados Contratantes.

A controvérsia entre o Fisco e o contribuinte chegou ao STJ pelo RESP nº 1.161.467, ocasião em que o Tribunal definiu que osrendimentos decorrentes da prestação de serviços sem transferência de tecnologia seriam enquadrados como “lucros das empresas” nas convenções, sujeitando-se à tributação em um único Estado.

Diante deste julgado, o Fisco Federal que outrora entendia que a remuneração pela prestação de serviços enquadrava-se no conceito de “rendimentos não expressamente mencionados” dos tratados, alterou seu posicionamento, agora expresso no Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN nº 2.363/2013 e no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5/2014.

De acordo com a nova orientação da RFB e da PGFN os rendimentos remetidos ao exterior para pagamento da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica passaram a se enquadrar como “lucros das empresas”, salvo nas hipóteses em que a convenção preveja tratamento igual ao dos royalties para estes serviços.

O que se verifica é uma mudança de estratégia para tributação dos rendimentos, pois quase todas as convenções celebradas pelo Brasil contêm protocolos adicionais que incluem no conceito de royalties as remunerações por serviços técnicos e de assistência técnica, a exemplo da convenção celebrada entre Brasil e Itália, promulgada pelo Decreto nº 85.985, de 6 de maio de 1981:

Artigo 12
[…] 4. O termo ” royalties “, empregado neste Artigo, designa as remunerações de qualquer natureza pagas […] pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.
[…]
PROTOCOLO ADICIONAL
Fica entendido que:
[…] 5. Com referência ao Artigo 12, parágrafo 4 A expressão “por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico” mencionada no parágrafo 4 do Artigo 12 inclui os rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos.

Para se chegar ao real alcance de tal equiparação, é importante distinguir os conceitos de “serviços puros” dos “serviços técnicos” e de “assistência técnica”.

Na prestação de “serviços em geral” ou “serviços puros”, o objeto principal do contrato é a própria prestação dos serviços. As partes celebram um acordo de vontades que tem por objeto a prestação de um serviço qualquer.

Ao revés, na prestação de “serviços de assistência técnica”, a prestação dos serviços é meramente instrumental, visto que o objeto principal do contrato é a transmissão de uma tecnologia detida pelo prestador.

Por fim, serviços técnicos, de acordo com o entendimento oficial da Receita Federal (Art. 17, §1º, II, a, da IN RFB 1.455/14), são todos aqueles que dependam de “conhecimentos técnicos especializados”. Por esta definição estaria enquadrada uma enorme gama de serviços, já que qualquer obrigação de fazer pressupõe um mínimo de conhecimento e técnica.

No entanto, não há qualquer fundamentação legal ou doutrinária para se classificar serviços técnicos com base na existência de “conhecimentos especializados”, já que esta definição esvazia por completo o conceito de “serviços puros” ou “serviços em geral”.

Assim, o que se verifica na doutrina especializada é que a expressão “serviços técnicos” se relaciona com a prestação de serviços complementares às operações de assistência técnica.

Feitas essas distinções, voltemos à análise dos protocolos adicionais das convenções celebradas pelo Brasil, ainda tomando como exemplo aquela firmada com a Itália.

Quando o artigo 12, parágrafo 4º da referida convenção trata do pagamento por “informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”, ele está se referindo ao contrato de know how.

Nessa modalidade de contrato é comum que paralelamente à tecnologia (know how) cedida sejam prestados serviços acessórios (técnicos e de assistência técnica) que possibilitem a utilização do capital tecnológico.

Assim, dentro de um mesmo contrato são previstas remunerações distintas: a) pelo uso do “know how” cedido, que geralmente é uma porcentagem do faturamento, produção ou lucro; b) pelos serviços acessórios prestados.

Convencionou-se, portanto, que os serviços acessórios teriam o mesmo tratamento tributário da remuneração pelo objeto principal do contrato (transferência da tecnologia). É nesse contexto que devem ser entendidos os tratados contra dupla tributação, pois o objetivo da equiparação é justamente tratar de forma igual as remunerações pela cessão de uso de uma tecnologia e dos serviços que lhe são conexos, dado o seu caráter acessório.

A própria interpretação literal do protocolo adicional conduz à esta conclusão, pois quando ele prevê que a expressão “por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico” inclui os rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos, ele claramente dá a ideia de que os serviços técnicos e de assistência técnica estão compreendidos num conceito mais amplo que é o da transferência de tecnologia.

Os serviços técnicos e de assistência técnica não são realidades distintas ou conceitos independentes aos contratos de transferência de tecnologia, mas fazem parte deles. Nesse sentido as lições de Alberto Xavier, em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 235, de abril de 2015:

Começando pelo elemento gramatical ou literal da interpretação, observa-se que em diversos protocolos se utiliza a expressão “incluir” para significar que os rendimentos de assistência técnica e serviços técnicos fazem parte do conceito de “informações correspondente à experiência adquirida no setor industrial comercial ou científica mencionada no parágrafo 3º do artigo XII”.
[…]
Na verdade a expressão “inclui” significa claramente que os serviços técnicos e de assistência técnica não são realidades ou conceitos independentes ou autônomos, mas sim elementos de um conceito mais amplo de que fazem parte. E o mesmo se diga da expressão “compreender”.
Basta o elemento literal da interpretação para afastar a possibilidade de aplicação do art. 12, parágrafo 3º, a realidades que, por sua natureza, não se incluem ou compreendem no conceito mais amplo daquele artigo, por não terem qualquer conexão com transferência de tecnologia. [1](XAVIER, 2015, p. 27).

Em conclusão, constata-se que a regra de equiparação dos tratados celebrados pelo Brasil só abrange os serviços de assistência técnica e serviços técnicos acessórios aos contratos de transferência de tecnologia que envolvam pagamento de royalties, e não qualquer serviço que dependa de conhecimentos técnicos especializados.


[1] XAVIER, Alberto. A tributação da prestação internacional de serviços, em especial de serviços técnicos e de assistência técnica.Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 235, p. 7-28, abr. 2015.

[/column]

Compartilhe nas redes sociais