DO MOMENTO DA INCIDÊNCIA E O CONCEITO DE FATO GERADOR DO ITBI: ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS

Angelo Ambrizzi
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados   

O presente texto tem por finalidade estudar o entendimento doutrinário e jurisprudencial de quais são os critérios material e temporal da Regra Matriz de Incidência Tributária – RMIT do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI.

Tal tema se torna relevante por existirem Municípios que elegem, por meio da legislação local, conceitos equivocados tanto do fato gerador como do momento em que ocorre a incidência do ITBI.

A título ilustrativo analisaremos a legislação do Município de Campinas, que igualmente outros, adota requisitos equivocados, conforme mencionado.

Isto porque a legislação deste Município entende como momento da incidência tributária a operação de compra e venda, seja est materializada por contrato ou por operações societárias.

O instrumento normativo que regulamenta o ITBI em Campinas é a Lei nº 12.391/05, que em seu artigo 3º determina ao contribuinte o pagamento do imposto por ocasião da lavratura do instrumento público ou particular de transmissão do bem imóvel. Transcreve-se:

Artigo 3º: Caberá ao sujeito passivo efetuar o pagamento do imposto por ocasião da lavratura do instrumento de transmissão ou de constituição de direitos reais relativos a imóvel, ainda que o fato imponível deva, nos termos da lei civil, ocorrer posteriormente, assegurada a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato imponível presumido.

Claro está que a legislação de Campinas determina que o pagamento, e por consequência, o fato gerador (fato imponível) do ITBI ocorre com a formalização do negócio jurídico.

Em contrapartida ao posicionamento adotado pela municipalidade existe outro que entende como correto como fato imponível do ITBI o registro do instrumento de transferência no cartório de registro de imóveis, sendo incabível a cobrança do imposto com base apenas nas operações de venda e compra civis ou operações societárias envolvendo transferência de bens imóveis.

Este entendimento parece mais adequado ao caso.

A Constituição Federal outorgou competência tributária para os Municípios instituírem o imposto sobre a transmissão de bens imóveis, nos termos do seu artigo 156, inciso III:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

O Código Tributário Nacional – CTN dispõe acerca do ITBI no seu artigo 35 nos seguintes termos:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

À época da edição do CTN, a competência para instituir o imposto sobre a transmissão de bens imóveis era dos Estados. Com a atual Constituição, esta competência foi partilhada entre os Estados e os Municípios, de modo que estes podem instituir o imposto relativo à transmissão onerosa e por ato inter vivos de bens imóveis, ao passo que àqueles compete a instituição do imposto devido nas transmissões a título gratuito (causa mortis ou doação).

Da interpretação dos artigos citados denota-se que a materialidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis, de competência dos municípios, é a transferência onerosa da propriedade de um bem imóvel.

Necessário, portanto, verificar na legislação civil quando se opera a transferência de propriedade dos bens imóveis.

Nesse contexto, o artigo 1.245 do Código Civil dispõe que a transferência da propriedade de imóveis só se opera com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

O parágrafo único acima reforça o disposto no caput, determinando que enquanto não registrado o título translativo o alienante continua a ser o proprietário do imóvel.

Assim, se o ITBI incide sobre a transferência da propriedade de bem imóvel e esta transferência só ocorre com o registro do título translativo no cartório de registro de imóveis, resta claro que o fato gerador do imposto só ocorre com o registro.

Antes do registro, portanto, é inviável a cobrança do imposto por parte dos Municípios, pois não há a ocorrência do fato jurídico tributável.

Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Abaixo o entendimento do STF em seu mais recente julgado.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
1. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa, nos termos do art. 1.021, §4º, do CPC.
(STF; ARE 930585 AgR / SP – SÃO PAULO; Relator: Min. Edson Fachin; Data do Julgamento: 30/09/2016; Data da Publicação: 18/10/2016) (grifamos)

Embora a decisão da Suprema Corte proferida em 2016 seja muito clara com relação ao momento da incidência do ITBI, cabe alertar que há muitos anos o Supremo decide no mesmo sentido, tanto que no voto do Relator outros julgados são citados. Abaixo a transcrição de parte do voto:

Confira-se, a propósito, a ementa do RE-RG 748.371, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.08.2013:

“Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral.”
[…]
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. A obrigação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE 805.859-AgR/RJ, Rel. Min. Luís Roberto Barroso)
[…]
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PRELIMINAR DE REPERCUSSÃO GERAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ÔNUS DO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. TRIBUTÁRIO. ITBI. CONTRATOS DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. COBRANÇA INDEVIDA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO”. (ARE 798.004-AgR/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki)
[…]
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. A obrigação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE 805.859-AgR/RJ, Rel. Min. Luís Roberto Barroso)

O STJ segue a mesma linha adotada pelo Supremo, resguardado seu âmbito de competência.

TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL.
1. O fato gerador do imposto de transmissão é a transferência da propriedade  imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente.
2. Agravo Regimental não provido.
(STJ; AgRg nos EDcl no AREsp 784819 / SP; Relator: Min. HERMAN BENJAMIN; Data do Julgamento: 17/03/2016; Data da Publicação: 01/06/2016) (grifamos)

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. INCONFORMAÇÃO COM A TESE ADOTADA. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. DECRETO 16.419/06. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF.
[…]
2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o fato gerador de ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do imóvel, sendo inexigível no contrato de promessa de compra e venda. Incide, portanto, a Súmula 83/STJ.
[…]
Agravo regimental improvido.
(STJ; AgRg no AREsp 813620 / BA; Relator: Min. HUMBERTO MARTINS; Data do Julgamento: 17/12/2015; Data da Publicação: 05/02/2016) (grifamos)

Evidente, portanto, o direito do contribuinte em não se sujeitar ao pagamento do ITBI antes do registro do instrumento translativo da propriedade no cartório de registro de imóveis, pois claro está que o fato gerador do ITBI só ocorre com o registro do título translativo da propriedade no ofício competente, de modo que não pode ser exigido o imposto sem este ato formal de transmissão da propriedade.

Para os contribuintes que estiverem obrigados ao recolhimento do ITBI com a ocorrência do negócio jurídico (contrato de venda e compra e atos societários) necessário ingresso de ação judicial requerendo a inexistência de relação jurídica tributária para afastar a exigência do pagamento do ITBI antes do registro dos títulos translativos no cartório de registro de imóveis competente, reconhecendo, por conseguinte, a incidência deste tributo apenas no momento do Registro.

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