A DEMISSÃO COLETIVA E A AUSÊNCIA DE REGULAÇÃO NO BRASIL

Isabela Fernandes Freirias
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

O presente artigo busca analisar o problema decorrente da ausência de lei específica acerca da demissão coletiva e a sua crescente aplicação no Brasil, em virtude do agravamento da crise econômica. Para tanto, buscar-se-á a conceituação deste instituto, bem como o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da temática.

Para bem compreender o assunto, é necessário delimitar o que se entende por despedida – demissão. Octávio Bueno Magano, professor especializado em Direito do Trabalho, em seu livro Dicionário Jurídico-econômico das relações do trabalho[1], página 79, publicação da editora Saraiva,conceitua despedida como “declaração de vontade unilateral e receptícia feita pelo empregador no sentido de que a relação de trabalho deve extinguir-se ou de forma imediata ou após cumprimento de aviso prévio”. Nesta toada, cabe destacar que a Consolidação das Leis do Trabalho regula apenas a despedida individual. Ou seja, a legislação pátria não regula a demissão coletiva de trabalhadores. É de se destacar que a lei nacional sequer faz menção ao conceito do que seria a demissão coletiva.

Assim, a fim de buscar subterfúgios para tal lacuna, busca-se sua definição em doutrinas, tais como a de Orlando Gomes, renomado jurista, que descreve a demissão coletiva, tomada pelo sinônimo dispensa, em sua obra Dispensa coletiva na reestruturação da empresa – Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico[2], página 575, publicada pela editora LTR como:

Dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados. […] O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa.

Já para o Tribunal Superior do Trabalho, demissão coletiva será aquela em que observar um único fato, de ordem econômica, tecnológica ou estrutural, alheio aos empregados, como ensejador de múltiplas decisões. Inclusive, tal entendimento resta demonstrado na jurisprudência abaixo transcrita:

Dissídio coletivo de natureza jurídica. Demissão coletiva. Não configuração. Ausência de fato único alheio à pessoa do empregado. A dispensa de cento e oitenta empregados ao longo de quatro meses não configura “demissão em massa”, pois esta pressupõe um fato único, seja de ordem econômica, tecnológica ou estrutural, alheio à pessoa do empregado. No caso concreto, restou demonstrado que a demissão dos empregados estava dentro dos parâmetros de normalidade do fluxo de mão de obra da empresa, e ocorreu em momento de incremento de produção e recuperação de postos de trabalho, caracterizando-se tão-somente como dispensa plúrima. Com esse entendimento, a SDC, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, Eletrônico e Fibra Óptica de Campinas e Região. (Tribunal Superior do Trabalho – Autos de origem 0000147-67.2012.5.15.0000 – SDC- Relatora. Ministra Maria de Assis Calsing – Julgamento 15.4.2013).

Conceituada a demissão coletiva, resta a dúvida: se inexiste lei que regule as demissões coletivas no Brasil, quais são as diretrizes a serem observadas quando de sua execução pelas empresas? Neste diapasão, destaca-se que a jurisprudência pátria não definiu de maneira clara quantidade de trabalhadores necessários para que a dispensa se torne coletiva. Todavia, um critério válido é a potencialidade de gerar danos à sociedade local.

Mas como é possível antever, ou até mesmo mensurar a extensão de danos de uma demissão coletiva? Aqui se relembra emblemático caso da montadora General Motors exposto no documentário Roger e eu, dirigido por Michael Moore. O filme retrata a saída da General Motors da cidade de Flint, Michigan, EUA. Todavia, a cidade foi girava em torno do parque industrial da montadora, inclusive no que se refere aos empregos.

Ao deixar a cidade em uma posição unicamente pautada em um menor investimento em outra cidade, a empresa deixou 67.352 (sessenta e sete mil, trezentos e cinquenta e duas) pessoas desempregadas, o que equivale à metade da população da cidade de Flint na época. A consequência imediata desta situação foi um aumento expressivo na taxa de criminalidade. O documentário, além de expor esta situação, traça severa crítica à postura adotada no caso prático.

O que não se pode negar é que, na prática, especialmente em tempos de crise econômica como o atual, a despedida coletiva tem se tornado gradativamente mais rotineira. Isto porque em nosso sistema jurídico é permitida a resilição unilateral do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, em virtude de seu poder potestativo, isto é, a prerrogativa jurídica de impor a outrem a sujeição ao ser exercício. Ademais, o dispositivo constitucional que veda a dispensa arbitrária ainda não foi regulamentado.

Todavia, dispensas coletivas são capazes de gerar grandes impactos sociais conforme demonstrado, posto que diversas famílias perdem sua fonte de renda, o que agrava a miserabilidade no país. É dizer: a dispensa coletiva transcende a esfera individual, impactando a sociedade como um todo. Assim, evidente que o instituto da demissão coletiva não pode ser tratado da mesma forma que a demissão individual. Não obstante inexista legislação específica para a temática, o Poder Judiciário, em uma postura ativista, vem dirimindo as questões relativas a esta tônica.

Nesta esteira, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento de que a dispensa coletiva exige, necessariamente, prévia negociação coletiva, a fim de discutir as formas e critérios como esta ocorrerá. Em tal negociação ficam previstas as condutas necessárias para enfrentar a crise econômica empresarial, a fim de atenuar os impactos da demissão coletiva. Se esta for precedida de negociação, será considerada legítima. Caso contrário, arbitrária e, em assim sendo, ilícita e passível de nulidade. O consectário prático, a princípio, é a reintegração dos trabalhadores dispensados.

O Ministério Público do Trabalho recomenda, em sua orientação nº 06[3], da Coordenadoria afeta à matéria da liberdade sindical, CONALIS, que haja sujeição à negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria antes de se efetuar a demissão coletiva, sob pena da nulidade.

Nesta negociação prévia, inclusive, tentará evitar-se o desligamento coletivo de trabalhadores através de medidas como o lay off (suspensão dos contratos de trabalho para participação dos empregados em cursos ou programas de qualificação profissional oferecidos pelo empregador,), férias coletivas ou até mesmo a redução da jornada de trabalho. 

Caso nenhuma destas medidas se mostre eficaz, pode-se, ainda, instituir outras fórmulas de composição entre as partes, tais como: (i) concessão de compensação financeira, calculada com base no tempo de contrato; (ii) manutenção de determinados benefícios, como o vale-alimentação e o plano de saúde, por período determinado; (iii) a promoção de cursos de qualificação profissional para os trabalhadores demitidos, a fim de que consigam ampliar  as suas chances de recolocação no mercado de trabalho; (iv) cláusula de preferência para recontratação, na hipótese de o empregador superar o quadro de adversidade financeira, vindo a necessitar da contratação de novos funcionários

Como pode se observar, todas estas medidas atendem à finalidade pública de preservação do bem estar social. Frisa-se, outrossim, que inexiste previsão constitucional ou até mesmo legal sobre as despedidas coletivas, de forma que igualmente deixa de existir, legalmente, a obrigação de se fazer negociação coletiva para proceder à dispensa coletiva.

Contudo, a jurisprudência emanada pelo Tribunal Superior do Trabalho diverge deste entendimento, em especial pela função social das empresas, bem como apontando que a despedida coletiva que dispense a participação prévia do sindicato viola a boa-fé e os princípios da confiança e da informação, caracterizando abuso do direito. Assim, para que a demissão coletiva possa ser efetivada e considerada legítima, há se ser precedida por negociação com o Sindicato de classe.

O escritório Marcos Martins Advogados foi fundado em 1983 e busca a proposição de soluções jurídicas inovadoras às necessidades apresentadas por seus clientes. Atuando em todas as áreas do Direito, no contencioso e preventivo, com intensa dedicação ao Direito Empresarial, o escritório possui ampla e reconhecida experiência, o que lhe possibilita interação com empresas de expressiva participação no mercado nacional e internacional. O escritório conta, ainda, com profissionais qualificados para este tipo de demanda.

 


[1] MAGANO, Octávio Bueno. Dicionário jurídico-econômico das relações de trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79.
[2]GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa: aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974. p. 575.
[3] “DISPENSA COLETIVA. Considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da democracia nas relações de trabalho e da solução pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal de 1988), do direito à informação dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5º, XXXIII e XIV, art. 7º, I e XXVI, e art. 8º, III, V e VI), da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170, III e Cód. Civil, art. 421), bem como os termos das Convenções ns. 98, 135, 141 e 151, e Recomendação nº 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dispensa coletiva será nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional.”

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