Assembleias digitais: a modernização do direito societário

Marcos Martins Artigo assembleias digitais

Rafael Tridico Faria
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

As mudanças aceleradas nos últimos meses na área jurídica, em razão da pandemia causada pelo Covid-19, trouxeram debates sobre o uso da tecnologia como alternativa na realização de assembleias gerais por meio de videoconferência, ou seja, assembleias digitais. 

Essas medidas permitiriam simplificar e agilizar atos societários, como também reduzir custos e desburocratizar o regime assemblear, ampliando novos horizontes para o Direito Societário.

Porém, muitos problemas latentes se tornaram grandes entraves nesse contexto. Esses problemas advêm inclusive das regras antigas e defasadas do direito societário, muitas das quais foram feitas em 1970 e com base na realidade e necessidades daquela época.

É bem verdade que muitas regras foram adaptadas e modernizadas ao longo do tempo, porém ainda existem algumas que perduram até os dias de hoje. Podemos citar como exemplo a necessidade de publicação de atos societários em jornais de grande circulação. Explicamos: atualmente há um grande declínio desse veículo de notícias, em detrimento de portais de notícias na internet ou outros meios digitais. O custo da publicação em jornais é exorbitante e não fazem sentido no mundo moderno de hoje.

Outro exemplo é a necessidade de realização de assembleias e reuniões presenciais, quando já temos tecnologia avançada o suficiente para fornecer meios seguros e eficazes para nos reunirmos virtualmente.

É verdade que até pouco tempo, esse último “problema” era mais um incomodo para alguns acionistas ou sócios, que tinham que se deslocar até o local marcado para a realização da assembleia. Porém, no atual cenário de pandemia em que vivemos, e com a necessidade de distanciamento social e restrições de mobilidade em várias cidades, a realização de reuniões e assembleias presenciais estão proibidas.

No dia-a-dia prático de companhias fechadas e sociedades limitadas, muitas das reuniões já eram realizadas “virtualmente”, principalmente porque os acionistas e sócios já possuíam um entendimento unanime acerca das ordens do dia. Entretanto, para as empresas com divergências entre os acionistas e sócios, há a necessidade de obedecer às regras legais e formalmente convocar e realizar as reuniões e assembleias presencialmente para que sejam discutidas e votadas as ordens do dia. O mesmo ocorre para companhias abertas, que necessariamente precisam obedecer às regras de convocação e realização de suas assembleias gerais.

Adicione a este problema a regra, tanto da Lei das S.A. quanto do Código Civil, que prevê que as assembleias para tomar as contas dos administradores, deliberar sobre a destinação do lucro e, quando necessário, eleger seus administradores devem ocorrer nos quatro primeiros meses do exercício social da companhia/sociedade[1]. Ou seja, para a grande maioria das empresas brasileiras, a necessidade legal de realização destas assembleias coincidiu com o as regras de quarentena em grandes centros urbanos, que estão vigentes desde o fim de maio de 2020.

Portanto, a situação vivida escancarou a necessidade urgente de modernização da Lei das S.A. e das regras societárias previstas no Código Civil.

A solução se deu pela publicação da Medida Provisória 931 de 30 de março de 2020 (“MP 931/20”), que flexibilizou os prazos para realização das assembleias gerais, permitindo sua realização nos sete primeiros meses do exercício social das empresas.

A MP 931/2020 também delegou ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (“DREI”) a regulamentação do para voto à distância para os sócios de sociedades limitadas, associações e companhias fechadas e à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a possibilidade de prorrogação dos prazos para apresentação das demonstrações financeiras e de outros prazos previstos na Lei das S.A. para as companhias abertas e a possibilidade de realização de assembleias digitais.

Assim, como consequência, a CVM regulamentou por meio da Instrução CVM 622 de 17 de abril de 2020, a realização de assembleias digitais para companhias abertas, para possibilitar e facilitar a realização tempestiva das assembleias gerais ordinárias já convocadas naquele momento. A regulamentação feita pela CVM foi pragmática e pouco aprofundada, propositalmente, exatamente para promover a realização das assembleias digitais no atual cenário nacional.

Por sua vez, por meio da IN 79, o DREI regulamentou a participação e voto à distância, conforme previsto na MP 931/20. Mas foi além e também regulamentou a realização de reuniões e assembleias digitais em companhias fechadas e sociedades limitadas[2].

Devido ao momento em que todas essas regras foram editadas, muitas companhias abertas já haviam convocado suas assembleias gerais e publicado suas demonstrações financeiras. Mesmo assim, algumas companhias tomaram a decisão de adiar a realização de suas assembleias gerais, se valendo dos novos prazos previstos na MP 931/20 e CVM 622.

Até o momento, houve a realização de pouquíssimas assembleias digitais de companhias aberta. Porém, é provável que haja um aumento significativo dessa modalidade de assembleias conforme as empresas venham a se adequar.

Em um primeiro momento, para as companhias abertas, a realização de assembleias digitais pode gerar certos custos de implementação com a plataforma para realização digital das assembleias, porém, com o tempo, é possível que a realização de assembleias digitais diminua custos e dê maior visibilidade à companhia. Além disso, ressalta-se que a implementação de assembleias digitais ainda facilita a presença de acionistas minoritários nas discussões e tomadas de decisão dos rumos das companhias.

É possível que, após esse momento crítico, caso a MP 931/20 seja convertida em lei, a CVM volte a editar regras mais detalhadas para regulamentar a realização de assembleias digitais, dando maior ênfase na facilidade para a participação de acionistas minoritários nas assembleias.

As assembleias digitais foram criadas em regime de urgência e estão sendo testadas aos poucos pelas empresas e pela própria CVM. Porém, é nítido o benefício que sua existência trouxe para a modernização do dia-a-dia societário. Certamente que conversão da MP 931/20 em lei trará maior segurança jurídica na realização de assembleias digitais e provocará a regulamentação mais aprofundada no futuro.

Não obstante, no cenário atual, ainda é preciso ter cautela com a realização de assembleias digitais baseadas na IN 79 do DREI, para as companhias fechadas e sociedades limitadas, pois não há amparo legal na MP 931/20 e, por conta disso, futuras discussões e eventuais anulações de reuniões e assembleias digitais nessas empresas poderão ocorrer.

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[1] Art. 132 da Lei das S.A. – Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:

I – Tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II – Deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV – Aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167)

Art. 1.078 do Código Civil – Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:

I – Tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
II – Designar administradores, quando for o caso;
III – tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

[2] Art. 1º da IN 79 – Art. 1º Esta Instrução Normativa regulamenta a participação e a votação a distância em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas.

§ 1º Exclusivamente para os fins do disposto no caput, as reuniões e assembleias podem ser:

I – Semipresenciais, quando os acionistas, sócios ou associados puderem participar e votar presencialmente, no local físico da realização do conclave, mas também a distância, nos termos do § 2º; ou
II – Digitais, quando os acionistas, sócios ou associados só puderem participar e votar a distância, nos termos do § 2º, caso em que o conclave não será realizado em nenhum local físico.

§ 2º A participação e a votação a distância dos acionistas, sócios ou associados pode ocorrer mediante o envio de boletim de voto a distância e/ou mediante atuação remota, via sistema eletrônico.

§ 3º Para todos os fins legais, as reuniões e assembleias digitais serão consideradas como realizadas na sede da sociedade.

§ 4º A presente Instrução Normativa não se aplica às reuniões e assembleias em que a participação e a votação de acionistas, sócios ou associados sejam exclusivamente presenciais.

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