A controvérsia sobre a sujeição dos créditos decorrentes do FGTS aos efeitos da Recuperação Judicial

Priscilla Folgosi Castanha

Dentre as diversas polêmicas que circundam o universo das recuperações judiciais, abordar-se-á neste artigo a controvérsia jurisprudencial e doutrinária acerca da natureza jurídica das verbas relativas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e, por conseguinte, sua sujeição ou não aos efeitos recuperacionais.

De início prevalecia a tese de que o FGTS era crédito eminentemente tributário, entendimento em grande parte suportado pela Sumula 353 do Superior Tribunal Justiça, segunda a qual “As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS”. (DJEletrônico 19/06/2008).

Contudo, parte dos juristas defendiam a impropriedade desta Súmula, eis que fundamentada em precedentes julgados na vigência da Constituição Federal de 1967, ou seja, sob a luz do antigo sistema tributário nacional. Sendo correto afirmar que a Suprema Corte, após a promulgação da Constituição de 1988, reexaminou a matéria atribuindo natureza parafiscal às contribuições sociais, dentre elas o FGTS . Tal entendimento, de fato, vinha sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgamentos, reconhecendo-se, portanto, a natureza tributária dos valores vinculados ao FGTS.

Entretanto, tem-se nova reviravolta em 2015, quando o Min. Gilmar Mendes, Rel. do ARE nº 709.212/DF, em seu voto declarou:

Não há dúvida de que os valores devidos ao FGTS são “créditos resultantes das relações de trabalho”, na medida em que, conforme salientado anteriormente, o FGTS é um direito de índole social e trabalhista, que decorre diretamente da relação de trabalho (conceito, repita-se, mais amplo do que o da mera relação de emprego). (STF – ARE 709212/DF; Relator(a): Min. Gilmar Mendes; Julgamento: 13/11/2014; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Repercussão Geral; Publicação:19-02-2015).

Como consequência deste entendimento, o Pretório Excelso, reduziu o prazo prescricional para sua cobrança, outrora de 30 (trinta) anos, indicando ser aplicável o prazo prescricional quinquenal previsto no inciso XXIX, do art. 7º da Lei Maior, observado o biênio após a extinção do contrato de trabalho.

O próprio Tribunal Superior do Trabalho, que historicamente defendia a natureza híbrida do FGTS, para o Estado enquadrar-se-ia no conceito de tributo e para o trabalhador constituiria salário diferido, curvando-se ao entendimento do STF, adequou seu antigo posicionamento alterando a súmula nº 362 , reconhecendo tratar-se de um direito trabalhista.

Tem prevalecido assim, o entendimento do Excelso Tribunal, segundo qual o FGTS consiste em direito social dos trabalhadores brasileiros, antevisto pela própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso III, o qual dispõe que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: III fundo de garantia do tempo de serviço.”.

Neste sentido é o recentíssimo acórdão de relatoria no Des. Azuma Nishi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento unânime realizado em 23.05.2018 nos autos do Agravo de Instrumento nº 2034905-70.2018.8.26.0000, cuja ementa segue transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. Controvérsia acerca da possibilidade de inclusão de verbas relativas ao FGTS, INSS e IRRF como crédito de natureza trabalhista em favor do credor. Decisão recorrida determinou a inclusão de todos esses valores.
FGTS. Verba de titularidade do trabalhador que ostenta natureza trabalhista. Possibilidade de inclusão do crédito na classe I (créditos privilegiados) do quadro geral de credores.
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INSS e IRRF. Descabida a habilitação de contribuições previdenciárias. Trabalhador não é o titular desses valores. Necessidade de exclusão das verbas relativas a INSS e IRRF.
DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Todavia, ainda hoje a discussão não foi pacificada nem na doutrina, tampouco na jurisprudência. O Min. Manoel de Queiróz Pereira Calças , continua defendendo que o fato de o trabalhador poder exigir os depósitos através de reclamação trabalhista, na qual inclusive é admitida sua transação, tais créditos não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, dado seu indiscutível perfil tributário, ainda que não possa ser confundido com um imposto.

Possível concluir que dada a multidisciplinariedade da contribuição em si e das diferentes consequências de sua sujeição ou não aos efeitos da recuperação judicial, bem como da própria falência, o tema continuará suscitando entendimentos divergentes, os quais apesar de instigantes em nada contribuem para a tão necessária segurança jurídica.

No tocante às verbas relativas ao INSS e ao IRRF, dada a natureza essencialmente tributária, não é possível imprimir-lhe os privilégios do crédito trabalhista. Assim, é incontroverso que sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial é descabida, pois tratam-se de créditos cujo titular é a União Federal, a qual poderá valer-se dos meios executivos próprios previstos na legislação.

¹Recurso Extraordinário nº138.284-8 CE, Rel. Min. Carlos Vellos, j.em 01/07/1992 em votação unânime
²Súmula nº 362 do TST – FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) – Res. 198/2015, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 15 e 16.06.2015
I – Para os casos em que a ciência da lesão ocorreu a partir de 13.11.2014, é quinquenal a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento de contribuição para o FGTS, observado o prazo de dois anos após o término do contrato;
II – Para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014 (STF-ARE-709212/DF)
³CALÇAS, M. Q. P. A controvérsia sobre a natureza jurídica das contribuições devidas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço por empresa em recuperação judicial. In: CEREZETTI, S. C. N.; MAFFIOLETTI, E. U. Dez anos da Lei 11.101/2005: estudos sobre a lei de recuperação e falência. São Paulo: Ed. Almedina Brasil, 2016.

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