FISCO FEDERAL LANÇA MAIS UMA NORMA ILEGAL: PARR – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE

[column width=”1/1″ last=”true” title=”” title_type=”single” animation=”none” implicit=”true”]Angelo Ambrizzi
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados 

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN instituiu o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR que tem por objetivo responsabilizar os sócios de pessoas jurídicas encerradas irregularmente a pagar os débitos tributários destas empresas.

Em linhas gerais, a Procuradoria não pode utilizar de uma Portaria para responsabilizar os sócios de uma empresa, ficando claro que se trata mais uma vez de procedimento que pretende afrontar as garantias dos contribuintes.

De acordo com o novo procedimento, previsto na Portaria PGFN nº 948 de 25 de setembro de 2017, o sócio da empresa considerada irregular será notificado por carta com aviso de recebimento para apresentar impugnação administrativa no prazo de 15 (quinze) dias por meio do Centro Virtual de Atendimento da PGFN (e-CAC PGFN), disponível no sítio da PGFN na internet.

A decisão sobre a impugnação do contribuinte deverá ser proferida no prazo de até 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período. Sendo desfavorável a decisão caberá recurso sem efeito suspensivo, equivale a dizer que a decisão de responsabilização continuará a ter efeitos até o julgamento do recurso.

Caso sejam rejeitados a impugnação ou o recurso, o contribuinte pessoa física passará a ser considerado como responsável pelos débitos da empresa, advindo daí todas as consequências negativas da inadimplência formal perante o fisco (protestos, registro no CADIN, impossibilidade de emissão de CND, etc).

Nesse contexto, o que esse breve artigo pretende abordar são as inúmeras ilegalidades no procedimento, sob a ótica da constituição do crédito tributário, da sua inscrição em dívida ativa, bem como dos princípios da segurança jurídica, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Inicialmente deve-se registrar que o ato administrativo do lançamento tributário está previsto no artigo 142 do CTN que tem a seguinte redação:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Verifica-se que no procedimento de lançamento tributário, além da verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação, determinação da matéria tributária e cálculo do montante devido, deve a autoridade administrativa identificar o sujeito passivo da obrigação.

Nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, esse procedimento de apuração é praticado pelo próprio contribuinte, podendo ou não ser homologado pela autoridade fazendária.

A identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, portanto, é elemento intrínseco à constituição do crédito tributário.

A inscrição em dívida ativa, por sua vez, é um ato administrativo de controle da legalidade do crédito tributário e deve espelhar os dados do lançamento tributário regularmente constituído e não pago.

Assim, após a constituição definitiva do crédito tributário, compete à Procuradoria da Fazenda Nacional lavrar o competente termo de inscrição do débito em dívida ativa, extraindo dele a Certidão de Dívida Ativa, título executivo que embasará a execução judicial do crédito tributário.

Por esta razão, não se admitem alterações na certidão de dívida ativa que modifiquem os elementos do lançamento tributário, como apuração do quantum devido, determinação da matéria tributável, identificação do sujeito passivo, etc.

Este é o entendimento da melhor doutrina:

Quando haja equívocos no próprio lançamento ou na inscrição em dívida, fazendo-se necessária alteração de fundamento legal ou do sujeito passivo, nova apuração do tributo com aferição de base de cálculo por outros critérios, imputação de pagamento anterior à inscrição etc., será indispensável que o próprio lançamento seja revisado, se ainda viável em face do prazo decadencial, oportunizando-se ao contribuinte o direito à impugnação, e que seja revisada a inscrição, de modo que não se viabilizará a correção do vício apenas na certidão de dívida. A certidão é um espelho da inscrição que, por sua vez, reproduz os termos do lançamento. Não é possível corrigir, na certidão, vícios do lançamento e/ou da inscrição. Nestes casos, será inviável simplesmente substituir-se a CDA. (Leandro Paulsen; René Bergmann Ávila; Ingrid Schroder Sliwka. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. 5. ed.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009 pág. 205.)

Idêntico é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que sobre a substituição da Certidão de Dívida Ativa editou a Súmula nº 392: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.

A doutrina e a jurisprudência, portanto, até admitem a modificação da Certidão de Dívida Ativa para correção de erro material ou formal. Isso não significa, no entanto, que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional possa alterar os elementos do próprio lançamento.

O título executivo deve representar exatamente os dados do processo administrativo do qual ele provém, não podendo a fazenda pública revê-lo ou alterá-lo por meio de emenda da certidão.

A alteração no sujeito passivo da obrigação tributária modifica o próprio lançamento, o que não pode ser realizado no âmbito da PGFN.

Admitir como válido um procedimento desta natureza, daria poder à PGFN para alterar qualquer outro elemento do lançamento, como base de cálculo, alíquota, legislação aplicável, o que evidentemente é um absurdo.

O procedimento ainda fere o princípio do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, pois embora haja previsão de apresentação de impugnação, esta é julgada pelo próprio Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa.

É evidente que o próprio credor não será imparcial ao julgar a impugnação do contribuinte, dado o interesse arrecadatório em jogo.

Não bastasse tudo isso, é certo que a utilização desse procedimento prejudica até a defesa judicial do sócio, pois uma vez que seu nome passe a constar na certidão de dívida ativa, presume-se que a sua responsabilização tributária está caracterizada e é legítima, recaindo sobre o contribuinte o ônus da prova de que não houve prática de infração à lei.

Por fim, deve-se mencionar que o procedimento em questão fere o princípio da segurança jurídica, pois ainda não há um consenso jurisprudencial sobre qual sócio deve responder pelas dívidas da empresa encerrada ou mesmo qual o termo a quo do prazo prescricional para responsabilização do sócio, questões que são objeto dos Temas nº 444, 962 e 981 na sistemática dos Recursos Repetitivos.

Não é difícil prever que na aplicação do PARR todos os sócios serão responsabilizados pela PGFN, independentemente do seu poder de gestão nas datas dos fatos geradores ou na data da dissolução irregular, e mesmo que já tenha passado o prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal.

O próprio texto da portaria (art. 7º, §§ 1º e 2º) demonstra que a PGFN não está preocupada com as peculiaridades de cada débito, pois a responsabilização terá efeito sobre todos os débitos inscritos em dívida ativa da empresa e até dos que vierem a ser inscritos no futuro, ficando a cargo do contribuinte demonstrar, fundamentadamente, eventuais peculiaridades fáticas ou jurídicas que infirmem a sua responsabilidade.

Verifica-se, portanto, que o PARR está eivado de inúmeras ilegalidades e deverá causar graves prejuízos aos contribuintes incluídos como responsáveis por dívidas tributárias nos sistemas de controle da dívida ativa da União.

Caberá ao contribuinte, nesse contexto, buscar um reconhecimento judicial da ilegalidade no procedimento para não se ver prejudicado com todas as consequências negativas que advêm da inadimplência fiscal.

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