A cláusula de não concorrência inserida em contrato de emprego brasileiro

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Cristiane Baraldi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

A cláusula de não concorrência, muito conhecida também como quarentena, é uma disposição inserida em contratos de emprego com o objetivo de restringir a atuação, após o término da relação de trabalho, do então ex-empregado e, com isso, impedir que ele se utilize do conhecimento adquirido durante a prestação de serviços (tais como: dados confidenciais, informações privilegiadas, estratégias, técnicas) de maneira prejudicial aos interesses da ex-empregadora (seja em benefício de seu próprio negócio, seja em benefício de nova empregadora concorrente), durante determinado período de tempo, em certa área geográfica e em troca de uma adequada indenização pecuniária, de forma a não gerar concorrência desleal.

O grande bem jurídico que se visa assegurar por meio da cláusula de não concorrência é a propriedade intelectual do empregador (por exemplo: inventos, segredos comerciais, industriais, métodos e processos de produção, projetos).

Ocorre que na mesma medida em que a cláusula de não concorrência dá proteção à propriedade intelectual do empregador, restringe a liberdade de trabalho do empregado, já que o impede de exercer determinada atividade por certo tempo e em local específico.

Tanto o direito de propriedade quanto o direito à liberdade de trabalho estão assegurados na própria Constituição Federal: o direito de propriedade no inciso XXII de seu artigo 5º e o direito de liberdade de trabalho do empregado no inciso XIII do mesmo artigo 5º.

Ambos fazem parte do núcleo imutável da Carta Maior, isto é, são cláusulas pétreas nos termos do inciso IV do § 4º do artigo 60 da Carta Maior e, portanto, direitos irrevogáveis pelo poder constituinte derivado.

Assim, a cláusula de não concorrência inserida em contratos de emprego ocasiona a colisão de dois direitos fundamentais: o direito de propriedade do empregador e o direito à liberdade de trabalho do empregado. E, neste conflito estão ainda envolvidas diversas outras garantias constitucionais.

Ao lado do direito de propriedade intelectual do empregador, somam-se as garantidas: da livre iniciativa, assegurada no inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal – CF e caput do artigo 170 da CF; da livre concorrência, prevista no inciso IV do artigo 170 da CF; e, própria propriedade privada, tratada no inciso II do artigo 170 da CF.

Já ao direito de liberdade de trabalho do empregado agregam-se às garantias: do valor social do trabalho, previsto no inciso IV do artigo 1º da CF; do trabalho como direito social capaz de prover a existência digna, nos termos do artigo 6º da CF; da valorização do trabalho humano, tratada no caput do artigo 170 da CF; e, da busca do pleno emprego, assegurada no inciso VIII do artigo 170 da CF.

Para agravar esta situação, não existe previsão expressa na legislação acerca da inserção de cláusula de não concorrência em contratos de emprego, restando dúvidas sobre sua legalidade e validade.

E, em decorrência disto, há grande discussão: quanto à possibilidade ou não desta cláusula ser utilizada nos contratos de emprego regulados pelo direito brasileiro; e, se ela seria ou não válida à luz do ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que nenhum direito é tido como de caráter absoluto.

Atualmente o entendimento majoritário tanto da jurisprudência quanto da doutrina brasileira caminha no sentido de ser possível a inserção de cláusula de não concorrência em contrato de emprego, mas desde que observados uma série de requisitos.

Assim, este entendimento está fundamentado na ausência de proibição legal expressa no ordenamento jurídico nacional. Segundo o inciso II do artigo 5º da CF, o artigo 122 do Código Civil – CC e o artigo 444 da Consolidação das leis do Trabalho – CLT, pode ser objeto de estipulação entre as partes tudo que não contravenha a lei, os bons costumes, à ordem pública, as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Segue ainda a própria tendência do direito brasileiro, já que ao se analisar todo o ordenamento jurídico evidencia-se uma inclinação legal ao repúdio da prática de atos concorrências pelo ex-empregado que possam causar danos a sua ex-empregadora.

Há previsão expressa no diploma celetista, alíneas c e g do seu artigo 482, que possibilita a despedida por justa causa no caso de o empregado praticar ato de concorrência à empresa para a qual trabalha durante o pacto laboral ou que viole segredo da empresa.

E, o artigo 195 da Lei n. 9.279/96, que regula obrigações e direitos relativos à propriedade industrial, prevê diversas situações que se caracterizam como crime de concorrência desleal, e, dentre elas, as tratadas nos incisos IX, X e XI, envolvem a relação de trabalho.

Com efeito, este entendimento também está fundamentado na aplicação do princípio da proporcionalidade, que busca a preservação da essência de cada direito fundamental de forma que um não se concretize em detrimento do outro.

Está ainda baseado na responsabilidade pós-contratual do empregado e do empregador, pautada na boa-fé e na observância das obrigações de lealdade, confiança, obediência e sigilo que regem as relações negociais e contratuais, conforme artigos 113 e 422 do CC, aplicáveis por força do parágrafo único do artigo 8º da CLT.

Por derradeiro, faz uso da solução adotada por diversos países para que a cláusula de não concorrência possa ser inserida em contratos de emprego e, para tanto, aplica o direito comparado, conforme caput do artigo 8º da CLT.

Não obstante, segundo esta corrente, para que a cláusula de não concorrência seja válida é preciso que seja firmada por escrito e não proíba o empregado de trabalhar, mas apenas de exercer atividade determinada (especificada de forma detalhada) que implique em concorrência com a ex-empregadora.

Além disso, é exigido que a cláusula tenha prazo determinado, isto é, seja válida apenas pelo tempo necessário para que as informações protegidas deixem de ser “novidade” (para parte o prazo máximo é de dois anos nos termos do artigo 445 da CLT e para outra parte de cinco com base no artigo 1.147 do CC).

Neste diapasão, deve ser delimitada a área geográfica na qual a cláusula tem validade. E, esta área geográfica deve ser a mesma em que a empregadora desempenhe atividade e, portanto, esteja sujeita a concorrência.

Deve, ainda, prever o pagamento ao empregado de indenização compensatória pela restrição imposta (para parte este pagamento tem natureza salarial, por entender que seria retribuição pelo tempo à disposição da ex-empregadora e para outra parte, indenizatória, por ser uma compensação pelos prejuízos causados em decorrência da restrição imposta).

Por derradeiro, este tipo de cláusula deve atender o interesse social, representado pela função social da própria empresa e do contrato de emprego, nos termos do inciso XXIII do artigo 5º da CF, inciso III do artigo 170 da Carta Maior e artigo 421 do CC, aplicável por força do parágrafo único do artigo 8º da CLT.

Para se alcançar a solução ofertada por esta corrente, portanto, é feito uso das regras de hermenêutica, de meio de solução de colisão entre direitos fundamentais, das normas gerais do direito brasileiro e realizada análise sistemática e teleológica do ordenamento jurídico nacional. Além disso, é seguida, sem sombra de dúvidas, a tendência do direito estrangeiro.

São, por exemplo, favoráveis a esta corrente Estêvão Mallet[1], Regiane Teresinha de Mello João[2], Sérgio Pinto Martins[3] e Alice Monteiro de Barros[4].

O colendo Tribunal Superior do Trabalho – TST já proferiu decisão acerca deste tema que ilustra de maneira detalhada os fundamentos adotados pela corrente em análise[5].

Nesse sentido seguem ainda diversas outras decisões, não apenas do colendo TST[6], mas também dos próprios Tribunais Regionais do Trabalho – TRT[7].

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[1] MALLET. Estêvão. Cláusula de não-concorrência em contrato individual de trabalho. Revista Ltr. V. 69 n. 10, outubro de 2005, São Paulo: Ltr, 2005, p. 1.160.
[2] JOÃO, Regiane Teresinha de Mello. Cláusula de não concorrência no contrato de trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 95-98.
[3] MARTINS. Sérgio Pinto. Cláusula de não concorrência inserida no contrato de trabalho. Revista Síntese trabalhista e previdenciária. Ano 23, n. 274, abril de 2012, São Paulo: Síntese, 2012, p. 55-63.
[4] BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed., São Paulo: Ltr, 2012, p. 203.
[5] TST, autos n.: RR 0001948-28.2010.5.02.0007, relator ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, publicação: DEJT 30.05.2014.
[6] TST, autos n.: ARR 0002170-52.2010.5.09.0006, relator ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, publicação: DEJT 12.05.2017; TST, autos n.: RR 0010660-32.2014.5.12.0022, relatora ministra: Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, publicação: DEJT 08.09.2017.
[7] TRT 1ª Região, autos n.: RO 0011496-87.2013.5.01.0205, relator desembargador: Ângelo Galvão Zamorano, 3ª Turma, publicação: DEJT 30.06.2015; TRT 2ª Região, autos n.: RO 0001620-18.2012.5.02.0011, relatora desembargadora: Patricia Therezinha de Toledo, 4ª Turma, publicação: 30.10.2013; TRT 3ª Região, autos n.: RO 0001184-65.2012.5.03.0097, relator juíza convocada: Maria Cecilia Alves Pinto, 4ª Turma, Data de publicação: DEJT 30/08/2013, página 147.

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